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Editorial

As medidas econômicas emergenciais na crise do coronavírus

Os presidentes da Caixa, Pedro Guimarães; da República, Jair Bolsonaro; do BNDES, Gustavo Montezano; e do Banco Central, Roberto Campos Neto.
Os presidentes da Caixa, Pedro Guimarães (à esquerda); da República, Jair Bolsonaro; do BNDES, Gustavo Montezano (falando ao microfone); e do Banco Central, Roberto Campos Neto (à direita), durante coletiva no Palácio do Planalto. (Foto: Marcos Corrêa/Presidência da República)

A pandemia do coronavírus e a ignorância sobre vários aspectos desse mal, o isolamento e o distanciamento social, o fechamento de fábricas, a paradeira no comércio, o recolhimento das pessoas em suas casas, a interrupção no setor de serviços – à exceção, por óbvio, das áreas consideradas essenciais –, a brutal redução da atividade econômica, o pânico social, o medo de desabastecimento, a redução dos negócios e o alto grau de incerteza, todos são aspectos da tragédia que se abateu sobre o mundo e o Brasil. Essa crise tem peculiaridades econômicas que o Brasil ainda não tinha sentido em seu próprio território e, se governo e sociedade não forem eficientes em lidar com as consequências e as soluções, o estrago poderá ser grande o suficiente para provocar regressão substancial no estágio de desenvolvimento econômico e social.

Mesmo quem não apoia o atual governo há de reconhecer que o Ministério da Saúde, sob a liderança do ministro Luiz Henrique Mandetta, tem demonstrado competência na gestão da crise. Tanto é que, em todas as enquetes e consultas populares, tem sido constatado que o ministro Mandetta goza da confiança da população e das autoridades estaduais e municipais, e é ele, acompanhado dos assessores mais próximos, que vem assumindo a linha de frente no combate à pandemia e na relação com a imprensa e a sociedade. Isso é bom, pois esse tipo de flagelo social exige união nacional. Apoiar o ministro não equivale a hipotecar apoio incondicional ao governo em todas suas atividades; significa apenas acreditar que ele e sua equipe têm condições para o encaminhamento das soluções.

Não estamos em uma época de normalidade econômica, o que pede medidas extraordinárias

A primeira diferença entre esta crise e as demais anteriores é seu efeito geral e o impacto em todos os setores de produção, distribuição, circulação e consumo de bens e serviços. Nada nem ninguém está livre dos efeitos negativos sobre as vendas, os negócios, a solvência financeira de empresas, das pessoas e do governo. Ao terminar – em data que ninguém consegue prever quando será –, a pandemia e a paradeira no mundo do trabalho, da produção e dos negócios terão deixado um rastro de desorganização e insuficiência financeira em praticamente todos os setores e agentes do mercado. Mesmo em outras crises, como a recessão de 2015-2016, a seca que deixou o país sem água, o apagão de energia em 2001, a crise financeira de 2008-2009, os escândalos do mensalão e do petrolão, e a greve dos caminhoneiros de 2018, nenhuma unidade produtiva estava impedida de seguir produzindo, desde que tivesse condição de fazê-lo apesar da crise. Desta vez foi diferente, com a paralisação imposta por decretos estaduais e municipais.

A atual crise do coronavírus tem contornos a que o país não estava acostumado nem preparado: parar tudo, mandar todas as pessoas para casa, reduzir a produção nacional e potencial para gerar desabastecimento. Esse tipo de estado caótico em termos de Produto Interno Bruto (PIB) e prejuízos financeiros já está causando danos como demissões em massa, e só não criará uma hecatombe se refluir nas próximas semanas e o país puder retomar alguma normalidade, ainda que parcial. A primeira questão que se impõe é como o país pode continuar funcionando – conciliando o cuidado para não permitir uma disparada em novos casos e mortes – e como as pessoas podem sobreviver com o atendimento de suas necessidades básicas durante a crise; ou, pelo menos, como o sistema produtivo pode voltar a funcionar e as pessoas podem retornar ao trabalho.

Como afirmamos em ocasião anterior, enquanto não se retoma a atividade econômica, ainda que parcialmente, e ainda que mantendo alguns grupos em isolamento, há uma série de medidas emergenciais que podem e devem ser adotadas pelo governo para mitigar a súbita queda nas receitas – que já existe – de empresas e indivíduos. Não estamos em uma época de normalidade econômica, o que pede medidas extraordinárias. É possível, por exemplo, suspender a execução de dívidas e prorrogar prazos para pagamento de tributos e cumprimento de datas-limite, excluindo os dias de duração da crise da contagem de tempo em obrigações fiscais e entrega de bens e serviços contratados.

Algumas dessas demandas já foram contempladas no pacote anunciado em 16 de março, com as empresas podendo adiar o pagamento do FGTS e a parcela federal do Simples Nacional, mas ainda era possível avançar, como acabou de demonstrar o governo com novas medidas anunciadas nesta sexta-feira. Destaque-se especialmente a possibilidade de pequenas e médias empresas poderem emprestar dinheiro pagando apenas a taxa Selic (ou seja, zero de spread bancário) para garantir dois meses de folha de pagamento, sob a condição de não promoverem demissões, além de medidas da Caixa Econômica Federal destinadas à pessoa física, como a redução de juros no cheque especial e no cartão de crédito.

Enquanto não ocorre o retorno ao trabalho, é obrigatório que o governo trabalhe intensamente buscando meios de preservar os postos de trabalho e os negócios

No pós-crise, o governo deve implementar rapidamente um plano de recuperação econômica, incluindo a recomposição de serviços públicos, a retomada de investimentos, o início de novas obras e a proteção social compensatória às camadas mais pobres que tiveram perda de renda nos dias da crise. O plano deve ser implementado mesmo que o Tesouro Nacional tenha de tomar empréstimos ou emitir dinheiro, como meio de promover a volta da normalidade. Essas medidas, é claro, não esgotam todo o conjunto de ações exigidas, mas são importantes.

É preciso olhar para o modo como os Estados Unidos e países europeus estão tentando manter empresas em pé e salvar a renda da população; as medidas para empresas incluem, por exemplo, empréstimos a juros baixos, com benefícios para as companhias que não demitirem; para os trabalhadores, governos estão reforçando o seguro-desemprego, promovendo remessa direta de dinheiro ou cobrindo até 90% dos salários anteriores daqueles que foram demitidos, como na Dinamarca – o Reino Unido adotou o mesmo procedimento, bancando 80% da remuneração de funcionários que correm risco de demissão. Todas essas possibilidades precisam estar na mesa e ser avaliadas, mesmo que depois sejam descartadas por serem impraticáveis na realidade brasileira.

Para tanto, o plano de recuperação tem de ser concebido e elaborado agora, pronto para começar a qualquer momento e com a maior rapidez possível, ainda que se use o dispositivo simplificador dos processos burocráticos permitidos pela lei de calamidade. A equipe econômica comandada por Paulo Guedes, infelizmente, perdeu quase uma semana – tempo valiosíssimo dada a velocidade com que a pandemia avança – após o fiasco da MP 927, que permitiria suspender contratos de trabalho zerando salários e foi substituída por outro texto após a (justificada) repercussão negativa. Entre o pacote inicial de R$ 150 bilhões e o anúncio de sexta-feira, foram mais de dez dias de dúvida para empresários e trabalhadores.

Por fim, a sociedade deve estar ciente do que está sendo proposto, pois só assim pode dar seu apoio para que os danos sejam minorados – e, aqui, não se trata de apoiar o governo, mas de apoiar o Brasil. Hoje, os brasileiros estão sendo informados diariamente sobre o avanço da Covid-19, mas não sabem ao certo quando poderão voltar ao trabalho – isso para aqueles que ainda tiverem um emprego ou uma empresa –, e como ocorrerá esse retorno. Neste meio tempo, é obrigatório que o governo trabalhe intensamente buscando meios de preservar os postos de trabalho e os negócios, e que a população saiba quais são as providências emergenciais que estão sendo tomadas. Saber, por exemplo, que será possível conseguir dinheiro para pagar os empregados, ou que pagamentos de prestações, impostos ou dívidas poderão ser prorrogados, permitindo que mais recursos sejam usados para necessidades urgentes, ajudará a amenizar a angústia de todos os que estão em casa, isolados, convivendo já com a ansiedade causada pela pandemia propriamente dita.

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