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Editorial

As ocupações e a democracia

 | Daniel Castellano/Gazeta do Povo
(Foto: Daniel Castellano/Gazeta do Povo)

“A quem a escola pertence?” Foi a partir dessa pergunta que a estudante Ana Julia Pires Ribeiro ficou internacionalmente conhecida, argumentando em favor das ocupações de escolas – que começam a perder força com decisões de reintegração de posse em todo o Paraná – em seu discurso na Assembleia Legislativa, na última quarta-feira. Segundo a estudante, “em uma semana de ocupação aprendemos mais sobre política e cidadania do que muitos anos que passamos em sala de aula”. Mas saber a resposta correta à pergunta da estudante mostraria que a “política e cidadania” aprendidas no protesto contra o governo federal não são aquelas compatíveis com o exercício democrático.

A democracia pressupõe a convicção de que há direitos que não podem ser limitados pelos outros e de que não se impõe o próprio parecer sobre os demais. E não importa se as propostas em questão são as melhores e mais corretas, porque nem mesmo a absoluta nobreza de uma ideia justifica que se tente fazê-la valer pela força ou pela marra, sem diálogo e prescindindo dos canais institucionais – que podem ser falhos, mas são a garantia de que a sociedade não regredirá ao proverbial “quem pode mais chora menos”.

Nem mesmo a absoluta nobreza de uma ideia justifica que se tente fazê-la valer pela força ou pela marra

Para melhor compreender essa verdade profunda, recorremos a um exemplo que muitos conhecem: o da greve. Por que a legislação proíbe os piquetes, meio pelo qual os grevistas impedem outros trabalhadores de continuar exercendo sua função se assim o desejarem? Porque o direito de greve não permite “violar ou constranger os direitos e garantias fundamentais de outrem”, como afirma o artigo 6.º da Lei de Greve – que, para não deixar dúvida alguma, acrescenta: “As manifestações e atos de persuasão utilizados pelos grevistas não poderão impedir o acesso ao trabalho”. Ainda que a maioria dos trabalhadores tenha optado pela paralisação, continuar a trabalhar é um direito do empregado, cujo exercício nenhuma greve pode bloquear.

Ora, as ocupações são o equivalente educacional do piquete grevista. Um grupo de estudantes decidiu por conta própria que interromperia as atividades das escolas, impedindo de trabalhar os professores dispostos a tal e bloqueando o direito à educação dos alunos que desejam continuar a ter aulas, independentemente do motivo. Isso nada mais foi que a imposição das convicções de uns a todo um grupo, que sofre as consequências ao ter direitos violados. E aqui voltamos à pergunta de Ana Julia: a quem a escola pertence? Pertence a toda a comunidade: aos alunos e suas famílias, aos professores, aos funcionários. Não a um grupo disposto a fazer todos os demais se curvarem às suas decisões.

Por isso, não se pode argumentar nem sequer que as ocupações teriam sido inicialmente legítimas, mas depois “perderam o rumo” ou se tornaram exageradas em algum momento – por exemplo, quando o governador Beto Richa foi a Brasília levar os pedidos dos estudantes, ou após a morte de um jovem em uma escola de Curitiba. Se é verdade que não se protesta bloqueando o direito dos demais, as ocupações jamais foram legítimas. Não há um suposto conflito entre o direito à manifestação e o direito dos demais de trabalhar e de receber educação, e sim um abuso puro e simples do direito à manifestação. Nem mesmo se a ocupação tivesse sido decidida em assembleia poderíamos considerá-la correta, pois ela continuaria negando direitos aos demais.

Discursar na Assembleia Legislativa e realizar passeatas foram meios legítimos encontrados pelos estudantes para se fazer ouvir. É triste, no entanto, que tenham escolhido a ocupação como principal forma de protesto. Ignorar que as próprias ideias não podem ser impostas à força revela um déficit democrático que, a julgar pela reação de tantos que louvaram as ocupações como “expressões de democracia”, afeta não só os estudantes, mas boa parte da sociedade – inclusive autoridades, instituições e formadores de opinião. Talvez, se todos tivessem uma convicção democrática mais arraigada, o Paraná já teria saído desse impasse há muito tempo, sem ânimos acirrados e com um aprendizado valioso exatamente no momento em que os estudantes iniciam sua participação na vida pública.

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