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A instalação de uma nova CPI no Senado Federal coloca no foco das atenções do país a atuação das organizações não-governamentais, as ONGs, acusadas genericamente de se terem tornado instrumentos do aparelhamento do Estado, por ação, principalmente, do partido dominante. Beneficiárias de repasses de vultosas verbas públicas, suspeita-se de que muitas dessas instituições constituam simples fachadas para engordar caixas de campanha ou para atuar em programas de proselitismo político-ideológico travestidos em supostas ações de defesa da cidadania.

Foram colecionados país afora inúmeros casos de relações incestuosas, irregulares e fraudulentas de ONGs com membros do governo e políticos com poder de influência suficiente para abrir as portas do erário para irrigar suas atividades. Desde 2003, teriam sido carreados para algumas das organizações não-governamentais que serão objeto de investigação pela CPI mais de R$ 500 milhões. No total, durante este período e considerando as 278 mil ONGs registradas nos 27 estados, elas teriam recebido R$ 33 bilhões, valor maior do que o governo destina no Orçamento para a saúde pública.

Este breve resumo da situação – o mesmo que levou os 81 integrantes do Senado a aprovar a CPI por 74 votos – justifica sobejamente a atenção que se deve dar ao tema. É preciso que venha à tona o que está escondido nos porões da malversação de recursos públicos pela via de entidades civis que, embora nascidas sob o conceito de que deveriam servir à defesa de causas nobres de interesse coletivo, na verdade se prestam ao papel de escudos para fins escusos.

Entretanto, entendemos que a maior utilidade da CPI será a de separar o joio do trigo: preferimos acreditar que a grande maioria das entidades albergadas sob o amplo guarda-chuva de ONGs cumpre a missão que abraçaram com honestidade e seriedade de propósitos. A minoria, todavia, em razão dos muitos desvios já constatados em sua ação, acaba por contaminar o ambiente e a criminalizar a atuação de todas. É necessário, pois, que tenhamos a necessária clareza para apoiar aquelas – e tão-somente aquelas – que de fato fazem jus ao respeito pelo bem comum.

Não se deve ignorar nem diminuir a importância social das organizações não-governamentais. Deve-se a elas um conjunto de atividades inestimáveis – da proteção ambiental à defesa dos direitos humanos, da educação profissional à prestação de serviços de saúde, da atenção à infância à luta pelas liberdades democráticas – que de outro modo seriam privadas à sociedade, quer pela inércia ou exigüidade de recursos dos governos, quer pela ausência de vontade política dos administradores públicos.

Aliás, a multiplicação e o fortalecimento das ONGs no Brasil a partir do início dos anos 90 do século passado decorreram exatamente de tais fatores. De um lado, principalmente após o fenômeno da globalização, da prevalência do neoliberalismo e do crescimento da consciência de que o Estado não podia tudo, amplos setores da sociedade passaram a se organizar para cumprir papéis antes restritos à ação governamental. De outro, porque o Estado, sujeito a todo tipo de amarras burocráticas e sem capilaridade para dar atenção a todas as demandas sociais, viu na delegação às ONGs de algumas de suas prerrogativas um eficiente meio para a alcançar as bases.

Infelizmente, percebeu-se logo que o sistema poderia ser utilizado para fins menos nobres. E desse fato surgiu a conspurcação que hoje se verifica. A CPI do Senado, se também não se contaminar por partidarismos e anseios menores de vindita política, pode prestar um excelente serviço às organizações não-governamentais sérias e à sociedade brasileira em geral.

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