Sobre a enxurrada de evidências de pagamento de propina mensal a membros da base governista, nenhuma palavra de José Dirceu e Márcio Thomaz Bastos, como se o mensalão fosse uma peça de ficção criada pela oposição mancomunada com a mídia
O anúncio de que o Supremo Tribunal Federal marcou para 1.º de agosto o início do julgamento do mensalão já serviu para elevar sobremaneira a temperatura nas altas esferas políticas e jurídicas do país. Declarações de alguns dos principais envolvidos, direta ou indiretamente, dão bem a dimensão do clima que cerca o polêmico processo de compra de apoio parlamentar durante o primeiro governo do presidente Lula. Não por acaso, no fim de semana, duas vozes sobressaíram para comentar o tema: a do ex-ministro José Dirceu, réu apontado pela Procuradoria-Geral da República como o mentor do esquema; e a do ex-ministro da Justiça Márcio Thomaz Bastos, que advoga para um dos acusados.
Ainda que em eventos diferentes, Dirceu e Bastos falaram a mesma língua com o objetivo único de desqualificar o mensalão. Nesse esforço, tanto um quanto outro centraram suas críticas no trabalho da imprensa, que estaria tentando influenciar o julgamento (segundo Thomaz Bastos) e exigindo a condenação sem provas (na opinião de Dirceu). Sobre a enxurrada de evidências de pagamento de propina mensal a membros da base governista, nenhuma palavra, como se fosse uma peça de ficção criada maleficamente pela oposição mancomunada com a mídia dita monopolista.
Aliás, o próprio ex-presidente Lula, pouco antes de deixar o governo, chegou a afirmar que o mensalão era uma farsa e que se dedicaria a desmascarar a trama, desdizendo o que afirmara em reunião ministerial de agosto de 2005. À época, indignado, disse que tanto o PT como o governo precisavam pedir desculpas à nação por práticas inaceitáveis que ocorreram sem o seu conhecimento.
Ainda que não tenha desmascarado o mensalão e esquecido de exigir as desculpas da companheirada como chegou a cogitar, Lula dá mostras de que não desistiu de conspirar contra o seu julgamento às vésperas das eleições municipais de outubro. Dois propósitos parecem mover o ex-presidente nesta empreitada: o partidário, pelo risco de revelações que prejudiquem candidatos petistas às prefeituras; e outro, de cunho pessoal. Neste caso, Lula não quer em seu currículo a pecha de ter sido o presidente em cujo governo ocorreu aquele que é considerado o maior escândalo da história política brasileira.
E as pressões sobre alguns ministros do Supremo evidenciam de forma inequívoca até onde o ex-presidente está disposto a chegar na sua cruzada contra o mensalão. As revelações do ministro Gilmar Mendes sobre o teor da conversa mantida com Lula, que teria insinuado a necessidade do adiamento do julgamento para o próximo ano, são exemplo disso. Além de Gilmar Mendes, Lula teria mantido contato com pelo menos outros dois ministros com o propósito de influir nos rumos do mensalão: Ricardo Lewandowski, revisor do processo; e Dias Toffoli. No caso deste último, paira a dúvida se participará ou não do julgamento, uma vez que trabalhou, durante alguns anos, como advogado do PT.
Pressões à parte, era fundamental para o resgate da credibilidade e da ética nas instituições que o processo do mensalão entrasse na pauta ainda este ano, até como forma de evitar que algumas das penas acabassem prescritas. Ao todo, são 38 os réus denunciados pela Procuradoria da República pelos crimes de formação de quadrilha, peculato, lavagem de dinheiro, gestão fraudulenta, evasão de divisas e corrupção ativa e passiva. Defenestrar esses elementos que apenas fazem da vida pública trampolim para suas ambições pessoais é o que se espera do julgamento que o STF está prevendo para agosto e que promete ser histórico.
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