Abib Miguel, o Bibinho, é ex-diretor-geral da Assembleia Legislativa do Paraná e foi condenado no caso dos Diários Secretos.| Foto: Antônio More/Arquivo Gazeta do Povo
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No próximo dia 22, um julgamento na 2.ª Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Paraná (TJ-PR) poderá causar um novo retrocesso no caso dos Diários Secretos, revelado há quase dez anos pela Gazeta do Povo e pela RPCTV, e que consistia no desvio de recursos públicos por meio da contratação de funcionários fantasmas na Assembleia Legislativa do Paraná. Os desembargadores julgarão um recurso de Abib Miguel, o ex-diretor-geral da Alep acusado de comandar o esquema, e pode anular sua condenação – mas, para isso, terá de passar por cima da jurisprudência do Supremo Tribunal Federal.

Bibinho, como é conhecido, já tinha sido condenado a quase 19 anos de prisão por peculato, formação de quadrilha e lavagem de dinheiro em 2014, na primeira instância, mas conseguiu anular a condenação na 2.ª Câmara Criminal do TJ alegando cerceamento de defesa. O julgamento foi refeito na 9.ª Vara Criminal de Curitiba, em 2017, e novamente o ex-diretor-geral foi condenado, desta vez com pena maior: 23 anos e três meses de prisão. A oportunidade de recorrer veio depois que o TJ anulou uma outra condenação, também dentro do âmbito dos Diários Secretos.

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A anulação do julgamento de Bibinho faria letra morta das determinações de um tribunal superior

Em agosto do ano passado, a 1.ª Câmara Criminal do TJ anulou a condenação de outros dois ex-diretores da Alep, José Ary Nassif e Claudio Marques da Silva, por entender que parte das provas usadas contra eles era ilegal: tratava-se de material apreendido nas dependências da Assembleia, em 2010. Os réus alegaram que essa operação, por ocorrer dentro da sede do Poder Legislativo, tinha de ser autorizada pelo TJ, e não pela primeira instância, ainda que a operação policial não tivesse como alvo nenhum dos deputados, detentores de foro privilegiado. Os desembargadores acolheram essa tese, na prática dando prerrogativa de foro a um edifício, mais que às autoridades que nele trabalham. A decisão não significa que Nassif e Marques são inocentes, mas que seu julgamento deverá ser refeito, desta vez sem o uso das provas obtidas durante a busca e apreensão na Alep.

Ocorre que as provas colhidas naquela ocasião também embasaram a condenação de vários outros acusados nos Diários Secretos, inclusive Bibinho. Quando da decisão de 2018, já se imaginava que todos eles também tentariam a anulação de seus julgamentos; o ex-diretor-geral da Alep é o primeiro caso que será julgado sob este precedente.

No entanto, nestes 12 meses que transcorreram desde a decisão que anulou a condenação de Nassif e Marques, o plenário do Supremo Tribunal Federal adotou um entendimento que, felizmente, vai na direção oposta àquela definida pelo TJ. Em 26 de junho, os ministros decidiram que a prerrogativa de foro não se aplica aos imóveis onde seus detentores residem ou trabalham. O caso em tela guarda muitas semelhanças com o paranaense: a Operação Métis, ocorrida dentro do Congresso Nacional em 2016, resultou na prisão de integrantes da Polícia do Senado Federal, acusados de estarem atrapalhando as investigações da Lava Jato. Um deles alegou que essa ação deveria ter sido autorizada pelo STF, e não pela primeira instância; o argumento foi aceito em decisão monocrática, mas rejeitado pelo plenário. Segundo o relator Edson Fachin, operações em dependências do Poder Legislativo podem ser alvo de investigações, buscas e apreensões ordenadas por juízes de primeira instância – basta que as pessoas envolvidas não tenham foro privilegiado.

É por isso que, se a 2.ª Câmara anular esta condenação de Bibinho – o ex-diretor-geral da Alep acumula algumas outras penas de prisão que não estarão em julgamento neste dia 22 –, estará, na prática, colocando o precedente estipulado pelos colegas da 1.ª Câmara acima da jurisprudência estabelecida pelo plenário do Supremo Tribunal Federal, uma inversão completa que representa uma escolha pela impunidade. Por mais que o conjunto probatório contra Bibinho, mesmo sem as evidências coletadas na Alep, seja robusto o suficiente para garantir-lhe uma nova condenação na primeira instância caso o julgamento tenha de ser refeito, estaremos assistindo a um retrabalho desnecessário. Além disso, a anulação do julgamento de Bibinho, fazendo letra morta das determinações de um tribunal superior, só servirá de estímulo para que tenhamos uma enxurrada de novas anulações.

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Se em agosto de 2018 ainda seria possível alegar questões de interpretação quanto ao “foro privilegiado para edifícios”, desta vez não há essa possibilidade, pois as dúvidas foram dirimidas pela corte suprema. Que no dia 22 vejamos prevalecer não a impunidade, mas a justiça e a compreensão correta dos limites da prerrogativa de foro.