O secretário da Receita Federal, Marcos Cintra.| Foto: Valter Campanato/Agência Brasil

Não será por falta de propostas que o Congresso Nacional deixará de fazer uma reforma tributária no país. No ano passado, a comissão especial na Câmara dos Deputados já tinha aprovado a PEC 293/04, com relatório do ex-deputado Luiz Carlos Hauly, e o texto estava pronto para ir a plenário. Este ano, no entanto, os parlamentares preferiram começar do zero outra proposta, de autoria do economista Bernard Appy e encampada por vários deputados, resultando na PEC 45/2019. O texto de Hauly, no entanto, não foi abandonado: adotado pelo Senado, transformou-se na PEC 110/2019. Além disso, o governo federal já tinha anunciado a intenção de lançar seu próprio projeto, mas priorizou a Previdência e, por isso, chega com atraso no debate. E, por fim, há ainda a ideia dos empresários do movimento Brasil 200.

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As propostas de Hauly e Appy são bastante semelhantes no sentido de unificar impostos – dez e cinco, respectivamente. Uma simplificação muito necessária e bem-vinda, mas que traz consigo uma controvérsia importante que diz respeito ao pacto federativo, pois nos dois casos os novos impostos incorporam tributos federais, mas também estaduais (como o ICMS) e municipais (caso do ISS). Ou seja, se hoje os entes subnacionais já têm pouca autonomia sobre os impostos gerados em estados e municípios, com a arrecadação sendo remetida majoritariamente para a União, as unificações reduziriam ainda mais esse poder, exigindo mecanismos complexos e burocráticos para se fazer uma compensação, a exemplo do que ocorre hoje com os Fundos de Participação.

Até o momento, nenhuma das propostas apresentadas encara de frente a questão da justiça tributária, e a ideia de recriar a CPMF é muito problemática

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No entanto, as propostas concorrentes, pelo que se sabe até agora, pois ainda não foram formalizadas, têm problemas ainda mais graves. O governo federal entregou ao secretário da Receita Federal, Marcos Cintra, a tarefa de desenhar um novo sistema tributário. Cintra, entusiasta de um imposto único sobre transações financeiras, não deve levar sua ideia às últimas consequências – essa tarefa ficou a cargo do Brasil 200, que sugeriu um imposto único federal em substituição a todos os tributos cobrados hoje. Mesmo assim, Cintra não abriu mão de incluir uma versão mitigada do seu antigo sonho. Segundo declarações do próprio secretário da Receita, a reforma do governo também terá unificação de impostos; redução do Imposto de Renda, compensada pelo fim de algumas isenções; e, por fim, a instituição de um tributo sobre movimentações financeiras para compensar a desoneração da folha de pagamento, especialmente a contribuição previdenciária patronal.

Os defensores da ideia tentam desvinculá-la da antiga CPMF, mas um novo nome não muda a essência desse tipo de tributação, com todos os problemas que acarreta. Um deles é o seu caráter de cobrança em cascata, que tem reflexo nos preços dos produtos e serviços. E, quanto maior a cadeia de produção de algum item, quanto mais fornecedores envolvidos, mais movimentações financeiras serão exigidas e tributadas, com todos esses valores sendo repassados adiante, até chegar ao consumidor final.

E um imposto que terá esse tipo de impacto é tudo de que o Brasil não precisa. O sistema tributário nacional já é muito injusto ao taxar justamente a produção e o consumo, em vez da renda e do patrimônio, invertendo o princípio da justiça tributária, segundo o qual quem tem mais deve pagar mais. Ainda que possamos contestar as alíquotas praticadas, impostos como o IR, o IPVA ou o IPTU cobram proporcionalmente à renda ou ao valor do bem em questão. Já os impostos sobre produção e consumo tiram o mesmo valor seja do rico, seja do pobre: ao comprarem determinado produto, todos pagam o mesmo imposto, independentemente de classe social. Mas esse dinheiro que não fará falta ao mais rico pode fazer toda a diferença para quem tem pouco.

Um país pobre e desigual como o Brasil precisa de um sistema tributário que combata esse problema, e não de um que o intensifique. E o fato é que, até o momento, nenhuma das propostas apresentadas encara essa questão de frente. A simplificação tributária é importantíssima em um país onde as empresas desperdiçam energia e tempo preciosos para cumprir todas as suas obrigações com o fisco, mas apenas ela será insuficiente para construir uma tributação realmente justa no país. O país tem cabeças brilhantes pensando sobre o tema, e o Congresso precisa estar disposto a ir além do que está sendo proposto até agora, não apenas simplificando, mas efetivamente reformando.