Os motivos para não usar transporte coletivo rendem uma lista longa e detalhada, seguida de um muro de lamentações. Razões para não circular a pé, idem. Um vale de lágrimas. O mesmo pode ser dito quanto à bicicleta, veículo que pede um heroísmo para poucos. Como se diz, "está tudo contra", da violência às condições físicas e climáticas. A sociedade se organizou em torno do automóvel, um índice econômico reconhecido, cuja publicidade provoca desejos instantâneos, mais poderosos que o temor de cataclismos religiosos.
O fato é que não há escapatória: urge encontrar uma saída e há quem tenha feito sua lição de casa, pondo por terra uns tantos mitos sobre a vida sem carro. Essa alternativa é possível, ainda que a proporção entre quem usa transporte individual e coletivo tenda a índices escandalosos, aniquilando qualquer forma de locomoção que não inclua freio, embreagem e acelerador. Em uma cidade como São Paulo, apenas 55% das viagens são feitas em transporte público. O desejável seria que fossem 70%. Outros espaços urbanos seguem atrás. O resultado pode ser visto tanto da janela do ônibus quanto da janela do carro.
Uma das tendências das cidades de médio porte, como Curitiba, é incorporar o atraso como parte da conta de sair de casa. Um percurso que poderia ser feito em 20 minutos demorará 60 minutos. Levanta-se mais cedo, chega-se mais tarde. Tal subordinação bovina à ditadura do trânsito não é um bom sinal deve-se computar o que se deixa de fazer ao cabo de um mês ou de um ano com as horas desperdiçadas para se chegar ao destino.
Do contrário, a cidade lugar da cultura, da convivência e da troca, tal como mostrou Henri Lefebvre em seu O direito à cidade se converte novamente em um espaço fabril, replicando a lógica da cidade industrial, aquela que promovia o desenvolvimento apenas de uns poucos. Aos demais, deixava a fuligem e o carvão. Uma boa medida é observar as soluções encontradas no seio da própria cidade. E experimentá-las.
Um exemplo pode dar certo abrir o site da prefeitura municipal, conferir os horários dos ônibus e descobrir que, com um mínimo de disciplina, se vai ao ponto e se chega mais rápido ao trabalho. Para quem mora próximo ao Anel Central, em especial, a viagem no coletivo usufruindo do conforto da canaleta não deixa dúvida: é uma gentileza.
Campanhas ajudariam do contrário não haveria mais de 20% da população curitibana que reconheça a reciclagem de lixo e a pratique. Obra e graça dos muitos projetos de conscientização, assim como fizeram efeito, nos idos da década de 1970, os reclames sobre o transporte coletivo. Um "Vá de ônibus" expresso nos outdoors mal não faria. Outros países poderiam inspirar as cidades brasileiras. Não é preciso ir longe. Que tal os chilenos? No país andino se aplicam os recursos da tecnologia para que o passageiro calcule o tempo de seu percurso, os horários e interaja, para bem e para mal. Com celular à mão e todos os têm gera-se dados sobre mobilidade e satisfação em tempo real.
Verdade é que muito já se falou sobre tudo isso. Não é música para os ouvidos. Fácil explicar essa apatia instantânea, da qual só parecem estar imunizados os participantes da Bicicletada. A cidade diz o sociólogo britânico Zygmunt Bauman provoca emoções opostas: a atração e a repulsa. Em nenhum outro lugar se pode conhecer tanta gente, lugares e culturas. Em nenhum lugar, sentimentos como mesquinhez e medo tendem a ser tão acentuados. Esses sentimentos convivem. Resta saber a quem cabe a vitória. A vida prática nas cidades tem mostrado que quanto mais espaços segregados houver, mais aumenta a repulsa e menos cresce a atração. A cidade grande se apequena. Em miúdos, usar ônibus e a calçada seria uma extensão natural de conviver bem em parques, praças, áreas de lazer e centros culturais populares, sem falar nas escolas públicas. A naturalidade de uma prática depende da naturalidade de outras. O caos da rua, quem diria, não é meio, é mensagem.