As circunstâncias que levaram à morte do cartunista Glauco Villas Boas ainda são desencontradas. Mesmo a polícia não dispõe ainda de elementos capazes de clarear os motivos e as circunstâncias deste assassinato. Mas algumas informações divulgadas nos deixam questionamentos. Informações que ao processo da investigação policial podem até não darem grandes contribuições, mas trazem questionamentos em relação aos seus significados, especialmente quando se trata de estabelecer conexão entre uma e outra dessas informações.
Questiona-se, por exemplo, por que alguém, seguidor de um líder religioso o assassina dizendo-se ser um "profeta" e que o crime foi praticado por "inspiração divina" e que o seu irmão seria Jesus Cristo? A tendência é a de se dar uma explicação exageradamente simplista, como se está dando: "trata-se de um desequilibrado". Mas veja que algo mais complexo permeia esta questão. Por exemplo, por que grandes personalidades, em certa fase da vida, dedicam-se à fundação de uma própria Igreja? Não se trata apenas do caso de Glauco Villas Boas. Outras pessoas de expressão social já fizeram isso como é caso do pensador francês Augusto Comte, com a sua Igreja Positiva. Outro exemplo: o caso do pensador italiano, marxista, ateu, Antonio Gramsci, que do cárcere escreveu para a família recomendando-a a ensinar seu filho pequeno, chamado Delio, a ter devoção a Santo Antonio, mas sem frequentar a Igreja. Pergunta-se: qual a conexão que se pode fazer entre esses elementos expostos acima e qual o significado de tudo isso?
Estamos diante de uma situação complexa a qual nenhum ramo do pensamento científico, sozinho, pode esgotar a explicação. Mas um dos caminhos para explicar essa questão pode ser o de se considerar o estreito limite entre a realidade concreta da vida e o da subjetividade humana, ou seja, as questões simbólicas, a espiritualidade, os sonhos, as buscas subjetivas etc. Mesmo o homem valente, guerreiro, ateu, não consegue se distanciar do seu mundo de subjetividades.
Nos dias de hoje é "normal" que mulheres e homens busquem satisfazer as suas subjetividades através do sucesso profissional, da conquista de riquezas, do poder político etc. No entanto, grande parte das pessoas apela para a espiritualidade. Assim, é necessário entender que a prática da espiritualidade é, para a maioria das pessoas, uma necessidade humana.
Mas algumas personalidades de expressão no mundo da vida concreta, como já foi dito, não se satisfazem com a simples busca da espiritualidade através de uma religião já existente, como é o caso do Comte e do próprio Glauco. Para essas pessoas a busca da espiritualidade através de uma Igreja existente já não mais representa significações para as suas subjetividades em comparação à expressão social já conquistada. Algo mais passa a ser necessário, algo transcendental, que mistura o real (o homem físico e pensador) ao líder profético, seguido, o guia.
Para outras pessoas, o limite entre o mundo da objetividade (do concreto da vida) e o da subjetividade é tão estreito que acaba sem existir. Assim, essas pessoas perdem a noção da objetividade, do real, do concreto, aflorando as fantasias e devaneios, como pode ser o caso do rapaz assassino em questão. Certamente que essas pessoas não se sentem seguras no enfrentamento do mundo concreto da vida (na profissionalização, na construção da sobrevivência social e material) e preferem se esconder no mundo da subjetividade e assim sentem-se ameaçadas com os desafios provocados pelo mundo concreto da vida. Não se trata aqui de julgar qual, entre os comportamentos citados, é o mais ou menos "normal.
E daí? O que tem tudo isso a ver com o crime? O próprio líder religioso, que num primeiro momento serviu de guia na construção da subjetividade através da espiritualidade, mas pelo fato de ainda estabelecer limites entre o mundo concreto e o das subjetividades, representou ameaças a quem este limite já havia perdido.
Lindomar Wessler Boneti, sociólogo, é professor da PUCPR
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