Nesta terça-feira (26), Antonio Palocci divulgou uma carta em que pede a desfiliação do Partido dos Trabalhadores (PT). Embora já nasça histórica, por ser uma radiografia quase obscena do cancro moral que se alastrou pelos 13 anos de governo do PT produzida pelas mãos de um dos nomes mais importantes de seu politburo, a missiva vem à luz com mais de 10 anos de atraso. Mas é pelo que revelam nas entrelinhas, pelo que apontam para o futuro, que as palavras de Palocci têm mais a ensinar ao Brasil.
Não foi a primeira carta histórica a surgir da mente “fria, calculista e simuladora” do ex-ministro. Em 2002, o então candidato Lula da Silva vestiu a máscara do “Lulinha Paz e Amor”, passou o pó de arroz, abandonando sua retórica canhestra e divulgou sua “Carta Aberta ao Povo Brasileiro”, verdadeira pedra fundamental do petismo cínico. Palatável, Lula foi eleito e abriu as portas para que o caseiro Francenildo Costa tivesse sua vida privada devassada em rede nacional, para a ascensão meteórica da Consultoria Projeto e para o escândalo das sondas da Petrobrás, que selou a terceira queda de Palocci, com sua prisão e posterior condenação em primeira instância.
A sociedade fortalecida em torno de seus interesses e valores é a maior barreira contra um Estado que se pretenda Leviatã e os tiranetes que almejam ocupar seus cargos
O ex-ministro também assistiu de camarote ao mensalão, ao loteamento das estatais e às ilicitudes – eufemismo preferido dos arrependidos de undécima hora – que tomaram conta das eleições, mais e mais. A voracidade da classe política não encontrava limites até 2014 e Palocci foi, iniludivelmente, o mais importante fiel da balança entre a nomenklatura petista e o empresariado nacional. Todas as loas que Palocci dê à verdade como o melhor caminho, toda perplexidade que demonstre diante do “desmonte moral” de Lula e de seu projeto, toda retórica indignada diante de “uma seita guiada por uma pretensa divindade”, nada disso apaga o fato de que o ex-ministro foi um dos cardeais deste culto a Baal.
Foi previsível a reação à carta pelos que restaram no PT, sempre prontos a ostentar sua empáfia diante de um povo, este sim, perplexo com o grau de deterioração moral de sua classe política. Lula insistiu que Palocci só quer lograr êxito em uma delação premiada, como se recorrer a um recurso previsto pela lei fosse algo espúrio. A presidente do partido, senadora Gleisi Hoffmann, imputou falsidade às declarações do ex-ministro, que demonstrariam a “fraqueza de caráter e o desespero” de quem ousa “renegar as causas que defendeu no passado”, como se colaborar com a Justiça, cedo ou tarde, fosse desabonador para quem quer que seja. Essas reações desesperadas, de quem “não se chama Antonio Palocci”, fazem lembrar que, para alguns, a omertà vai bem, obrigado.
Opinião da Gazeta: Palocci e o tribunal petista (editorial de 20 de setembro de 2017)
Entre tantos trechos dignos de nota, um que grita nas entrelinhas é aquele em que o ex-ministro revisita seu passado e o dos companheiros e os contrasta com o deserto moral do presente: “Nós, que nascemos diferentes, que fizemos diferente, que sonhamos diferente, acabamos por legar ao país algo tão igual ao pior dos costumes políticos”. No fundo, Palocci ostenta ainda aí o pensamento messiânico que sempre orientou o PT, que se julga detentor da verdade revelada na terra, ungido de uma missão cujos meios, mesmo os mais torpes, mesmo os mais criminosos, sempre serão justificados pela nobreza de seus fins.
O real desafio que fica para o Brasil é que nem só os matusaléns petistas, enterrados sob sua própria ruína, pensam desse modo. As condições que fomentam esse verdadeiro duplipensar existem em muitos políticos que pularam do barco antes que afundasse. Neles continua viva a sanha de um Estado demasiadamente inchado, o desejo de controle sobre cada aspecto da vida dos cidadãos e o anseio por uma política fiscal irresponsavelmente expansionista. A receita do desastre.
Opinião da Gazeta: Os tempos mudaram (editorial de 22 de maio de 2017)
É preciso apostar em ar fresco. Voltar a pensar uma noção robusta do bem comum, que peça de cada pessoa o protagonismo na construção de sua própria vida; investir no papel multiplicador de indivíduos organizados em empresas e em associações, fomentando a criatividade, a inovação e a cooperação. A sociedade fortalecida em torno de seus interesses e valores é a maior barreira contra um Estado que se pretenda Leviatã e os tiranetes que almejam ocupar seus cargos, sufocando a iniciativa privada e loteando a coisa pública.
Se o poder absoluto corrompe absolutamente, é preciso também calibrar as instituições. Urge que se restaure o império da lei, o Estado de Direito sendo o limite intransponível a qualquer ação política, o baluarte contra as tentações autoritárias de todos os espectros ideológicos. É preciso destravar a criação de novos partidos que se sustentem com os recursos oferecidos voluntariamente pelos cidadãos, aproximar a cidadania de seus representantes políticos e descentralizar um governo burocrático que oferece dificuldades para vender facilidades. Medidas como essas evitariam o próximo canto da sereia e que tantas outras cartas como a de Palocci fossem escritas.
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