Na sessão de segunda-feira, 12 de março, o Órgão Especial do Tribunal de Justiça do Paraná retomou a discussão sobre o pagamento de uma gratificação a desembargadores e juízes que acumularem “jurisdição, funções administrativas ou acervo processual”. Com apenas dois votos contrários – os de Luiz Lopes e Ruy Cunha Sobrinho –, a proposta foi aprovada. A gratificação pode chegar a até um terço do salário, mas o acréscimo não pode fazer os vencimentos do magistrado ultrapassarem um determinado teto, que pode ser o de R$ 33.763, correspondente do salário de um ministro do Supremo Tribunal Federal, ou o de 90,25% desse valor, que é o salário de um desembargador – o TJ, infelizmente, tem se recusado a dividir com a sociedade o teor detalhado daquilo que aprovou.
Ainda que se alegue que a gratificação já existe em outros estados, inclusive com o aval do Conselho Nacional de Justiça, e que exista a ressalva do respeito a um teto, sua aprovação não está imune a questionamentos – especialmente de ordem moral, mas também de ordem legal ou jurídica. Neste espaço, já explicamos por que a própria natureza da gratificação é bastante duvidosa, dada a dinâmica do trabalho dos magistrados e das equipes que os assessoram. As circunstâncias em que o bônus foi aprovado, de aperto fiscal, só servem para tornar a decisão ainda mais inconveniente.
Durante a sessão que aprovou o pagamento, a desembargadora Ana Lúcia Lourenço deixou subentendidos os verdadeiros motivos que moveram os magistrados que votaram a favor da gratificação. Ela lembrou que os juízes estão há vários anos sem reajustes – nem mesmo a reposição da inflação lhes foi dada –, e que por isso as verbas extras serviriam como compensação. Em outras palavras, gratificações e auxílios precisam ser aprovados porque substituem a reposição salarial a que os juízes teriam direito, mas não recebem. Isso nos força a uma observação: se “oficialmente” estamos tratando de uma “recompensa” por serviços adicionais prestados pelos magistrados, mas os próprios desembargadores admitem que a verdadeira finalidade é a promoção de uma recomposição salarial, estamos claramente diante de um ato viciado juridicamente.
Os ministros do STF reconheceram a realidade do país quando decidiram não solicitar reajuste para si mesmos em 2018
Essa gratificação-recomposição, ainda por cima, cria uma grande distorção: juízes de primeira instância poderiam receber o mesmo que um desembargador ou até que um ministro do Supremo (como dissemos, esse detalhamento continua oculto à sociedade). Com que lógica se pleiteia que uma pessoa em um posto de entrada tenha os mesmos vencimentos de alguém que já progrediu ou mesmo que já alcançou o ápice de sua carreira? Não faz sentido igualar – ainda que apenas salarialmente – degraus diferentes da magistratura.
Nisso tudo, os desembargadores só têm razão em uma coisa: a questão dos reajustes precisa ser discutida. A Lei 13.091/2015 estabeleceu o atual salário dos ministros do Supremo e ainda determinou, em seu artigo 2.º, que “a partir do exercício financeiro de 2016, o subsídio mensal de ministro do Supremo Tribunal Federal será fixado por lei de iniciativa do Supremo Tribunal Federal, sendo observados, obrigatoriamente, de acordo com a respectiva previsão orçamentária, os seguintes critérios: I – a recuperação do seu poder aquisitivo (...)”. Ou seja, o STF precisa ter a iniciativa de propor, todo ano, um projeto de lei que no mínimo recupere o poder aquisitivo do salário, ou seja, reponha a inflação; mas o texto precisa passar pelo Congresso. Em alguns anos, o STF enviou o pedido, mas os parlamentares o derrubaram; outras vezes, o próprio Supremo desistiu de solicitar o reajuste. Foi o que ocorreu em 2017, na análise do orçamento para 2018: por oito votos a três, o plenário concluiu que não há nem recursos nem clima para um reajuste.
Aqui, datas importam. O último aumento dado aos ministros do Supremo (e, por consequência, a todos os juízes) coincide com o agravamento da recessão, que teve como uma de suas consequências a queda na arrecadação em todos os níveis e esferas de governo. O “empregador” dos magistrados (o Estado brasileiro) passou a ter uma quantia menor para bancar os mesmos gastos de sempre. O fato de, desde então, Executivo e Legislativo terem aumentado ou criado gastos inaceitáveis – como a triplicação do Fundo Partidário sancionada por Dilma Rousseff em 2016 e a criação do bilionário fundo eleitoral, sancionado por Michel Temer em 2017 – não anula o impacto que o reajuste do salário dos ministros do STF teria nas finanças públicas.
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Fato é que, mesmo sem a reposição, os magistrados continuam a constituir uma classe muito seleta, recebendo salários muito além daqueles recebidos por esmagadora maioria da população brasileira. Só a gratificação aprovada pelo Órgão Especial, de alguns milhares de reais, já bastaria para satisfazer os sonhos de muitos brasileiros. Luiz Lopes citou o momento econômico do país para rechaçar o bônus: uma lembrança necessária quando se trata de como os agentes públicos usam o dinheiro que vem do contribuinte.
Os próprios ministros do STF reconheceram essa realidade quando decidiram não solicitar reajuste para si mesmos em 2018. “A exigência é de sacrifício de todos os brasileiros”, disse Cármen Lúcia. “Economia é trabalhar com as dificuldades, com os limites, com a escassez”, acrescentou Dias Toffoli. Os desembargadores do TJ não demonstraram semelhante bom senso – e foram além, pois sua atitude acaba sendo uma forma de deslegitimar o papel do Supremo como regulador da remuneração da magistratura.
Depois da aprovação no Órgão Especial, o texto será enviado para a Assembleia Legislativa. O histórico mostra que os deputados costumam aprovar os projetos vindos do Judiciário, mas não podemos abdicar da esperança de que, desta vez, prevaleça a sensibilidade para com os recursos públicos em um país que sofre com a desigualdade e o desemprego, ainda brigando para se recuperar de uma crise que cobrou um preço muito caro do cidadão comum – muito mais que alguns anos de reposição salarial perdida.
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