Quando um governante usa armas químicas contra seu próprio povo, como a comunidade internacional deve reagir? Diante das dezenas de mortos em um ataque realizado em 7 de abril na localidade rebelde de Douma, nas proximidades da capital Damasco, os governos de Estados Unidos, Reino Unido e França resolveram agir. Na manhã do último sábado, no horário local (noite de sexta-feira, no horário de Brasília), lançaram 105 mísseis contra três instalações de produção e armazenamento de armas químicas, como depósitos e centros de pesquisa.
Um ano atrás, em abril de 2017, o presidente norte-americano, Donald Trump, também ordenou um ataque a uma instalação militar síria de onde teria partido um ataque com armas químicas na cidade de Khan Sheikhoun. Trump colocou em prática o princípio da “linha vermelha” delineado por Barack Obama em 2012, segundo o qual o uso de armas de destruição em massa não seria tolerado. Mas Obama não quis aplicar a regra definida por ele mesmo quando, em agosto de 2013, o ditador Bashar al-Assad atacou Ghouta, deixando um saldo que poderia chegar a 1,4 mil mortos, ainda hoje o pior ataque químico registrado no conflito sírio.
A guerra da Síria paralisou o sistema internacional baseado nas instituições multilaterais
Desta vez, Trump não agiu sozinho, como havia feito em 2017, mas buscou o apoio de outras duas grandes potências ocidentais: o Reino Unido, liderado por Theresa May, e a França, do presidente Emmanuel Macron. Estando comprovado o uso de armas químicas e o envolvimento do governo sírio nas atrocidades, a ação estaria legitimada ainda que os Estados Unidos estivessem novamente sozinhos no ataque, mas o esforço para envolver outros atores relevantes é louvável.
A guerra da Síria paralisou o sistema internacional baseado nas instituições multilaterais, como as Nações Unidas. O governo sírio conta com apoio incondicional da Rússia, que, no Conselho de Segurança, tem vetado propostas de estabelecer comissões independentes de investigação a respeito da fabricação e do uso de armas químicas – os russos voltaram a exercer seu poder de veto imediatamente após o ataque em Douma. Além disso, nem Damasco nem Moscou se esforçam para garantir a segurança de inspetores da Organização para a Proibição de Armas Químicas (Opaq) quando eles conseguem permissão para entrar na Síria.
Leia também: Trump e o ataque à Síria (editorial de 8 de abril de 2017)
Diante de tal contexto, a comunidade internacional pode assistir passivamente ao massacre ou contornar estruturas engessadas nas quais nenhuma ação concreta será decidida. Convencidos de que Assad estava por trás do ataque, Estados Unidos, Reino Unido e França escolheram a segunda opção, e conseguiram, quando não o apoio declarado, pelo menos a compreensão de boa parte dos atores relevantes no concerto internacional, como as demais potências integrantes da União Europeia – a chanceler alemã, Angela Merkel, chegou a classificar a ação como “necessária”. As únicas reações contrárias vieram da própria Rússia e do Irã, outro grande aliado de Assad (o que, por sua vez, colocou a Liga Árabe ao lado das nações ocidentais). Ambos, no entanto, ficaram apenas no palavreado, demonstrando o quanto a ação franco-britânico-americana foi eficaz.
E nem se pode argumentar, aqui, que atacar Assad significa fortalecer os adversários do ditador, especialmente os jihadistas do Estado Islâmico. Aqui, não cabem cálculos do tipo “quem ganha e quem perde”, até porque raramente há vencedores em situações como esta e o próprio governo sírio é apoiado por organizações terroristas. O que deve vigorar é o princípio segundo o qual armas químicas são inaceitáveis em qualquer caso. Tolerar o uso desse tipo de armamento contra a população civil sem dar uma resposta à altura, apenas porque o enfraquecimento do autor do massacre ajudaria o ressurgimento de um adversário tão ou mais nefasto, não é uma opção civilizada.
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