O governo federal se encarregou de descobrir uma vacina capaz de, ao mesmo tempo, extinguir o mosquito Aedes aegypti e livrar o povo brasileiro dos terríveis vírus que ele transmite, como os da dengue, do zika e da febre chikungunya. Trata-se da CPMF – contribuição provisória que a presidente Dilma Rousseff pretende ressuscitar. A proposta inicial era de que o “imposto do cheque” servisse para debelar o déficit da Previdência Social, mas no último fim de semana o ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, mudou o objetivo – agora, segundo ele, é para combater a praga do mosquito.
A declaração do ministro surgiu no “dia do zika zero”, o sábado passado em que autoridades, incluindo a presidente Dilma e seu vice, Michel Temer (que veio a Curitiba), desdobraram-se em viagens pelo país para participar de ações locais de combate ao Aedes e conscientizar a população para a necessidade de tomar medidas para eliminar focos e locais propícios à sua multiplicação. Forças Armadas, agentes de saúde e governos estaduais e municipais compuseram o – sem dúvida necessário – mutirão sanitário. “Temos de ter uma conscientização de que, neste momento que o Brasil vive, a aprovação desse tributo é muito importante. Nós não teremos outra forma de produzir recursos para desenvolver atividades como esta [de combate ao mosquito]”, declarou o ministro.
O mais grave em relação à CPMF é que as justificativas variam ao sabor das conveniências do momento
Reconheça-se que a situação é de emergência e que se trata de uma questão a ser vista com olhos humanitários. Ninguém tem o direito de se manter insensível aos danos humanos sobrevindos das mortes e das doenças transmitidas pelo Aedes aegypti e que vêm atingindo milhares de nascituros, sobretudo nos estados do Nordeste. É extremamente preocupante também a possibilidade de expansão territorial dos casos e em velocidade imprevisível. Portanto, o problema exige medidas rápidas para conter a epidemia.
Entretanto, a cada vez que o país se defronta com dificuldades, sejam elas de naturezas as mais diversas, a primeira defesa dos governos para fugir da acusação de descumprimento de suas atividades é brandir a bandeira da escassez de recursos. E, consequentemente, alertar para a necessidade de incrementar a arrecadação de impostos, taxas e contribuições – caso contrário, costumam afirmar os gestores públicos, os problemas vão persistir e aumentar.
O mais grave em relação à CPMF é que as justificativas variam ao sabor das conveniências do momento. Primeiro, o tributo teria a função de custear a Previdência; depois, Dilma mudou o discurso: a CPMF era crucial para o país sair da recessão; agora, sem a CPMF não há como combater o Aedes. Ou seja: sem o imposto, o país vai acabar – afinal, dele dependeria a reativação da economia, a melhora das contas da previdência, a contenção do mosquito e sabe-se lá mais o quê.
A gestão equivocada da economia produzida pelo governo de Dilma Rousseff, responsável por ter levado o país ao forte desequilíbrio das contas públicas, à inflação de dois dígitos, à recessão e ao desemprego em massa, exige agora – de acordo com a mentalidade estreita dos governantes – ainda maiores sacrifícios da população, obrigada a pagar tributos cada vez mais elevados e a se submeter à criação de outros, como se tenta agora com a ressurreição da rejeitada CPMF.
Num cenário de crise e necessidade de ajuste, não se pode descartar de antemão alguma elevação nos impostos. Mas ela só seria aceitável se antes o poder público desse uma demonstração cabal de que está reduzindo suas despesas, cortando privilégios e exageros. Nada disso foi feito, e por isso é ainda mais lamentável que o Planalto aproveite a emergência sanitária para, outra vez, clamar pela CPMF, sem nem mesmo apresentar uma proposta realista ao Congresso, por exemplo estipulando a duração do eventual novo imposto.
Um Legislativo e uma sociedade conscientes não podem permitir aumento de carga tributária enquanto o governo não demonstrar de forma cabal que está fazendo todo o possível para conter o déficit fiscal.
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