Na semana passada, o Comitê de Política Monetária do Banco Central (Copom) decidiu realizar mais um corte de meio ponto porcentual na taxa Selic, reduzindo-a para 11,25% ao ano. E, tanto no comunicado divulgado logo após a reunião quanto na ata publicada nesta terça-feira, os integrantes do colegiado já anteciparam que ao menos em março e maio haverá reduções na mesma intensidade, abrindo espaço para que o primeiro semestre termine com a Selic em um dígito, já que ainda haverá outra reunião em meados de junho.
Contra a gritaria de quem gostaria de ver os juros caindo vertiginosamente e na marra, a ata elege a constância prudente e a contínua observação de uma série de fatores para que o BC encerre o ciclo de afrouxamento com a Selic mais baixa possível sem comprometer a inflação, como afirmou o presidente da instituição, Roberto Campos Neto, em evento realizado também na terça-feira. Neste sentido, é importante ressaltar que a reunião do fim de janeiro foi a primeira com quatro diretores do BC indicados por Lula, e todos eles votaram tanto pela redução de 0,5 ponto como pela projeção de novos cortes idênticos no futuro, demonstrando que, ao menos neste momento, a sensatez dos indicados está prevalecendo sobre a histeria de quem os indicou.
Uma política fiscal mais expansionista, com gasto público fora de controle em ano eleitoral, é hoje o maior obstáculo no trabalho do Copom e do Banco Central de preservar o valor da moeda
Não houve grandes mudanças nos cenários de risco descritos pelos membros do Copom em relação a meados de dezembro, quando havia ocorrido a reunião anterior. As economias desenvolvidas, como a norte-americana e a britânica, ainda não iniciaram seus processos de afrouxamento monetário – os Estados Unidos, por exemplo, optaram por manter sua taxa de juros, a maior dos últimos anos, ao mesmo tempo em que o Copom reduzia a Selic. Por mais que os membros do Copom afirmem não haver “relação mecânica” entre as taxas brasileira e de outros países, é fato que, quanto menor a diferença entre a Selic e os juros norte-americanos, britânicos ou da zona do euro, mais o dinheiro tende a migrar para as economias mais sólidas, deixando as emergentes e desvalorizando suas moedas, inclusive o real, o que tem efeito inflacionário.
Internamente, os diretores do BC afirmam que a desaceleração da economia perdeu um pouco de ritmo “em função do aumento da renda das famílias, como reflexo da elevação do salário mínimo, de benefícios sociais e do mercado de trabalho mais resiliente”. Além disso, “o Comitê já incorpora nas suas projeções uma elevação de preços em função do fenômeno do El Niño e monitora os impactos da reversão do fenômeno”, ou seja, as projeções já incluem a oscilação no preço dos alimentos.
Mais importante: a ata diz que “as expectativas de inflação seguem desancoradas e são um fator de preocupação”. A solução está em “uma atuação firme da autoridade monetária, bem como o contínuo fortalecimento da credibilidade e da reputação tanto das instituições como dos arcabouços fiscal e monetário que compõem a política econômica brasileira”, mas é exatamente aqui que está o perigo. Enquanto o Copom “reafirma a importância da firme persecução” das “metas fiscais já estabelecidas”, o petismo, capitaneado pelo presidente Lula, ainda não desistiu de mudar a meta de zerar o déficit primário em 2024. O efeito de uma alteração sobre a “credibilidade e reputação” do Brasil seria certamente negativo.
Seguir no caminho já traçado, portanto, é a intenção anunciada pelo Copom e que só mudará caso a realidade se desvie muito dos cenários projetados. Uma turbulência externa ou um fenômeno climático extremo e imprevisto jamais podem ser descartados, mas no momento os maiores riscos estão nas canetas palacianas: uma política fiscal mais expansionista, com gasto público fora de controle em ano eleitoral, é hoje o maior obstáculo no trabalho do Copom e do Banco Central de preservar o valor da moeda.