Um dos desafios do capitalismo de livre mercado é conseguir boa distribuição da renda gerada durante o processo produtivo. Embora a eficiência do capitalismo para produzir seja bastante grande, o sistema tem dificuldade em distribuir a renda com a mesma competência. E foi principalmente para suprir essa deficiência que o mundo conheceu, nos últimos 80 anos, o crescimento do governo e da carga tributária. Infelizmente, a eficiência do setor público provou ser baixa e, mesmo em sociedades com elevado Produto Interno Bruto (PIB), existem camadas da população excluídas dos benefícios do progresso. Por tal razão, a reforma do Estado é uma luta incessante, tanto para dar-lhe mais eficiência quanto para melhorar a ética pública. Todavia, os avanços na melhoria do desempenho estatal têm ocorrido com lentidão, forçando a sociedade a buscar alternativas para melhorar as condições sociais das camadas mais pobres.
No meio dos problemas e das dificuldades na luta contra a pobreza, uma notícia divulgada no fim de janeiro merece destaque e aplauso. Trata-se do anúncio feito por Bill Gates de que sua fundação irá destinar 10 bilhões de dólares para desenvolver e entregar novas vacinas ao longo da próxima década. O fundador da Microsoft explicou que a fundação social que ele mantém com sua mulher doará dinheiro para a pesquisa e a produção de vacinas contra malária, aids e outras doenças típicas de países atrasados. É uma atitude exemplar e humanitária, que, talvez, inspire as grandes empresas e outros milionários do mundo a seguirem o mesmo caminho. No Brasil, é um exemplo que precisa ser divulgado e destacado, pois a cultura da doação social por aqui é quase nenhuma, em parte pela desconfiança que cerca as instituições sociais, sejam elas públicas, privadas ou do terceiro setor.
A desconfiança nas instituições, entreanto, é apenas parte da explicação pela ausência da cultura da doação. Os ricos do Brasil (e os outros também) não têm o hábito de doar parte do seu dinheiro em favor de instituições sociais ou dos pobres, a não ser em momentos específicos de tragédias ou de campanhas humanitárias. Exemplo desse comportamento verifica-se com as universidades brasileiras comparado com o que ocorre nos Estados Unidos. Enquanto lá as doações feitas por milionários, muitos deles ex-alunos, somam bilhões de dólares, por aqui praticamente nada é doado a essas instituições de educação e pesquisa. As universidades estatais são vistas, em muitos casos, como abrigo de funcionários públicos que pouco trabalham e locais de pouca produção científica, sendo que muitos ricos usam esse argumento para justificar sua atitude de não doar dinheiro para elas. Para as instituições privadas não há doações por que acham que o dinheiro iria apenas aumentar o lucro dos seus donos. Há verdades e mentiras nessas crenças, mas, objetivamente, elas impedem doações que poderiam ajudar as pesquisas científicas e os projetos sociais.
No caso do anúncio de Bill Gates, o que chama a atenção é o valor da doação. Os 10 bilhões de dólares doados representam mais do que muitos governos do mundo gastam com pesquisa e produção de vacinas. É um valor gigantesco direcionado para uma só área social, a saúde, e significa uma atitude rara num mundo em que o capitalismo é acusado de insensibilidade social. Bill Gates faz duas boas ações com sua decisão: uma é permitir que seus bilhões de dólares contribuam para minorar a dor e a pobreza; outra é dar um exemplo louvável que pode servir de estímulo para o aumento das doações humanitárias no mundo.