O apreço à verdade e ao jogo limpo não faz parte da cartilha chavista. É quase certo que, após a verificação de 46% das urnas venezuelanas, o resultado das eleições seja mantido

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Nesta semana deve começar a auditoria de 46% das urnas de votação venezuelanas, medida que o Conselho Nacional Eleitoral do país aceitou na quinta-feira passada, após o pleito vencido pelo chavista Nicolás Maduro por uma margem mínima, de 1,8 ponto porcentual. O candidato da oposição, Henrique Capriles, queria uma recontagem voto a voto, no que tinha o apoio dos Estados Unidos e da União Europeia, mas teve de contentar-se com a auditoria. Capriles diz acreditar que isso bastará para mostrar que houve irregularidades suficientes na contagem dos votos para que o resultado seja revertido, mas é difícil saber se ele realmente acredita nessa possibilidade: qualquer um que conheça o chavismo sabe que o apreço à verdade e ao jogo limpo não faz parte da cartilha bolivariana. É quase certo que, após a auditoria, o resultado das eleições seja mantido.

Mas o fato de haver uma auditoria, por si só, já é indicador de que há algo de diferente na Venezuela, pois atender aos pedidos da oposição é algo que o falecido caudilho Hugo Chávez muito provavelmente jamais faria, preferindo passar por cima dos adversários como um trator, como fez ao longo de seus anos no poder – aparentemente não ocorreu a um certo passarinho soprar essa sugestão aos ouvidos de Maduro. Ou o apadrinhado de Chávez percebeu que, sem o apoio de metade dos venezuelanos, terá de fazer concessões (o que denota um enfraquecimento do ímpeto ditatorial chavista), ou o governo viu a necessidade de fazer algo que confira alguma legitimidade ao resultado amplamente contestado da eleição.

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Aliás, a esquerda dentro e fora da Venezuela costuma usar a sequência de eleições e referendos para defender a tese de que a democracia segue existindo no país, confundindo a parte com o todo. Assim se manifestou o então presidente Lula, ao dizer em 2005 que na Venezuela existia "democracia em excesso". Mas como falar em democracia em uma nação onde não existe separação de poderes, onde a imprensa livre é perseguida, onde a autoridade eleitoral não move um dedo contra o uso da máquina estatal em favor do candidato chavista? Sem falar na absurda desproporção na exposição dos candidatos nos meios de comunicação, com Maduro aparecendo quase permanentemente na televisão, enquanto Capriles tinha sua visibilidade reduzida a alguns poucos minutos. Diante de tal depredação das instituições, não há como dizer que a Venezuela é uma democracia – não sem violentar o próprio conceito de democracia.

E foi o que diversos líderes sul-americanos – inclusive a presidente brasileira, Dilma Rousseff – fizeram ao reconhecer prontamente a vitória de Maduro e correr a Caracas para a posse, tudo isso enquanto persistia o questionamento da oposição a respeito da legitimidade do resultado e conflitos nas ruas faziam oito mortes, logo jogadas pelas autoridades chavistas sobre os ombros da oposição, que estaria "provocando instabilidade" no país. Em comparação, basta perceber que democracias muito mais maduras, como a norte-americana e as europeias, ainda esperam para oferecer seu reconhecimento ao presidente eleito.

Ainda no âmbito sul-americano, enquanto a Venezuela prepara o teatro para sacramentar a continuidade do chavismo, o Paraguai elegeu o colorado Horácio Cartes como seu novo presidente, em votação realizada ontem e igualmente marcada por denúncias de fraude por parte dos dois principais candidatos. O Paraguai, lembremo-nos, foi injustamente suspenso do Mercosul em uma manobra sorrateira de Argentina, Brasil e Uruguai, justamente para permitir o ingresso da Venezuela – ao qual o Paraguai se opunha – no bloco econômico. Ironicamente, os aliados ideológicos de Chávez invocaram a cláusula democrática do Mercosul, que os paraguaios teriam descumprido com o impeachment relâmpago de Fernando Lugo, mas a mesma cláusula foi totalmente ignorada no momento de aceitar a entrada da Venezuela. Que, com a eleição de um novo governo, a injustiça cometida com o Paraguai seja reparada.