Não surpreenderia se o ditador venezuelano, Nicolás Maduro, tivesse recebido a pandemia de coronavírus com algum alívio. Para quem não vê problemas em matar sua população de fome, não seria uma doença contagiosa que o transformaria em um humanista da noite para o dia. Mas o surto deu ao bolivariano a oportunidade de usar a saúde pública como pretexto para colocar um fim definitivo aos protestos de rua que pedem sua saída e que eram, até a primeira quinzena de março, a estratégia adotada pelo presidente interino, Juan Guaidó, para pressionar o ditador, que sempre respondeu às manifestações com o uso indiscriminado da violência.
Sem o apoio da população, Guaidó precisou adotar uma abordagem diferente e retomou uma ideia que já tinha apresentado em 2019 como tentativa de quebrar o impasse em que terminaram todas as tentativas de negociação mediadas por outros governos. No sábado, 28 de março, ele sugeriu abrir mão de seu posto caso fosse criado um “governo de emergência nacional” para administrar o país durante a pandemia e organizar eleições limpas assim que possível – exatamente o papel reservado pela Constituição ao presidente interino, mas que nunca teve como ser colocado em prática porque Guaidó, apesar de deter legalmente o poder e do reconhecimento de dezenas de nações, não governa de fato, já que Maduro tem a seu lado todo o aparato repressivo do país.
Parece muito improvável que Maduro e seu círculo mais próximo concordem com uma solução negociada, tendo nas mãos as Forças Armadas e os coletivos paramilitares
Essa espécie de junta com quatro integrantes seria escolhida pela Assembleia Nacional e teria representantes tanto da coalizão democrática quanto do chavismo, embora a presença de Guaidó, Maduro e outros figurões, como Diosdado Cabello, seja altamente improvável já que haveria a possibilidade de veto aos nomes sugeridos. Por fim, o quarteto escolheria um novo presidente interino, que não poderia se candidatar nas eleições. Na terça-feira, dia 31, o plano ganhou o apoio dos Estados Unidos, que disseram estar dispostos a levantar sanções contra a Venezuela caso os chavistas concordassem com o governo transitório. Os norte-americanos, no entanto, afirmaram que ainda seria necessário dissolver tanto a Assembleia Nacional Constituinte quanto a Suprema Corte e a Comissão Nacional Eleitoral – estas, totalmente aparelhadas pelo chavismo; aquela, convocada em claro desrespeito à Constituição venezuelana. Mas parece muito improvável que Maduro e seu círculo mais próximo concordem com uma solução negociada, tendo nas mãos as Forças Armadas e os coletivos paramilitares, e com a população permanecendo em casa, aflita pela fome e pelo coronavírus, incapaz de protestar.
O apoio ao plano de conciliação e a promessa de retirar as sanções não é a única forma que os Estados Unidos encontraram de colocar mais pressão sobre Maduro. Antes mesmo de Guaidó propor o governo transitório, o Departamento de Justiça norte-americano anunciou que estava acusando o ditador e vários de seus colaboradores próximos de envolvimento com o narcotráfico, especialmente por meio de uma aliança com os narcoterroristas colombianos das Farc. Um relatório da própria ONU já admitia que o tráfico havia infiltrado as Forças Armadas venezuelanas, constituindo o chamado “cartel dos sóis” (uma referência às insígnias dos generais), mas Maduro ainda era descrito como alguém que tolera o esquema por permitir que ele mantenha o poder. Na denúncia norte-americana, ele não é mero beneficiário, mas o líder do grupo.
O governo dos Estados Unidos ainda oferece uma recompensa de US$ 15 milhões para quem colaborar com a captura de Maduro – uma ajuda que, muito provavelmente, só poderia vir do círculo mais próximo ao ditador. Se a preocupação com o povo venezuelano não foi suficiente para que a cúpula das Forças Armadas abandonasse o bolivariano, talvez os dólares funcionem, especialmente se a receita do petróleo, usada por Maduro para comprar o oficialato, continuar minguando com as sucessivas quedas nos preços e na demanda internacional. Sem uma iniciativa vinda de dentro do regime, será muito difícil encerrar este período trágico na vida dos venezuelanos.