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Editorial

Auxílio-moradia e corporativismo

Uma liminar do ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Luiz Fux tem tudo para abrir as torneiras do auxílio-moradia (abastecidas, lembremos, pelos cofres públicos) para todos os magistrados do país – independentemente do local onde trabalham, da instância em que julgam, se são da Justiça Estadual, Federal, do Trabalho, Militar ou dos tribunais superiores. Na liminar, concedida em 15 de setembro, Fux determina que todos os juízes federais recebam quase R$ 4,4 mil mensais, com exceção daqueles que vivem em residência oficial (situação na qual não se encontra nenhum juiz federal do Sul do país).

Agora, a Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB) e a Associação Nacional dos Magistrados do Trabalho (Anamatra) foram ao Supremo para que o benefício seja estendido, nesses termos, a todos os juízes do país até que o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) crie regras para o benefício. Mesmo nos estados em que o auxílio-moradia já é concedido, como o Paraná, a associação local de magistrados agora quer não apenas que o valor aumente para os R$ 4,4 mil concedidos por Fux aos juízes federais, mas também pleiteia que um casal de magistrados possa receber dois auxílios-moradia, em vez de um. Tudo em nome da isonomia. "Queremos ser iguais", diz Frederico Mendes Jr., presidente da Associação dos Magistrados do Paraná (Amapar).

O impacto sobre os cofres federais, caso o auxílio-moradia se amplie indiscriminadamente, chega a R$ 800 milhões por ano. O contribuinte paranaense entraria com R$ 47 milhões anuais para bancar o benefício para os juízes estaduais. Ressalte-se que o auxílio-moradia é considerado, na visão dos interessados, "verba indenizatória", ou seja, uma espécie de reembolso que, normalmente, exigiria apresentação do comprovante de despesa. No entanto, todos os juízes recebem o mesmo valor, independentemente de quanto (e se) gastam com moradia.

Diante de tudo isso, é preciso questionar: o que acontece com o nosso Poder Judiciário? O que leva pessoas que, em sua esmagadora maioria, são honestas, sensatas, preocupadas com o bem comum, têm sólida formação técnica e humanística, a buscar de forma tão sôfrega privilégios que não apenas são de constitucionalidade no mínimo duvidosa, mas também – e principalmente – criam um descolamento brutal da classe dos juízes em relação aos demais brasileiros, a quem eles devem administrar a justiça?

Neste espaço, a Gazeta do Povo já tratou do auxílio-moradia em si e de outros aspectos que merecem consideração quando se pensa na carreira jurídica. Sabemos, por exemplo, que o teto da magistratura poderia, sim, ser mais elevado, considerando-se a relevância da função como garantidora do Estado democrático de direito. Mas nada disso justifica o uso de artifícios como o auxílio-moradia para encorpar os vencimentos dos juízes. O esforço dos magistrados pelo auxílio-moradia contrasta com a iniciativa do presidente do STF, ministro Ricardo Lewandowski, que pediu ao Congresso que considere a possibilidade de reajustar os salários da magistratura no orçamento de 2015. Ao deixar que os representantes do povo decidam quanto devem ganhar os servidores públicos, Lewandowski dá o exemplo que devia ser seguido por todos os seus colegas.

Não se deve condenar os juízes por desejarem "ser iguais" entre si, para usar a expressão do presidente da Amapar. Mas, quando suas atitudes mostram que eles não se importam em ser "mais iguais" que o restante da população brasileira (lembremo-nos de que só os R$ 4,4 mil mensais de auxílio-moradia equivalem a 2,6 vezes o salário médio do brasileiro, segundo dados da última Pnad, divulgados na quinta-feira passada), é preciso apelar para que seu bom senso vença essa cegueira seletiva que se manifesta quando se trata dos próprios interesses. Seria muito melhor ver uma iniciativa espontânea de repúdio ao auxílio-moradia indiscriminado que esperar uma decisão do CNJ que ponha fim a esse privilégio injustificado.

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