O artigo 37 da Constituição Federal, que determina a observância dos princípios da moralidade, da impessoalidade e da legalidade na administração pública, é auto-aplicável. O nepotismo aquele vício a que se dão muitos governantes de distribuir empregos para parentes enquadra-se nesse dispositivo. Logo, além de moralmente inconcebível, o nepotismo é também inconstitucional, seja no Judiciário, no Executivo ou no Legislativo, em nível federal, estadual ou municipal. E ponto final.
Este é o entendimento unânime, definitivo e irrecorrível do Supremo Tribunal Federal (STF), que, anteontem, em mais uma das tantas sessões históricas que tem protagonizado nos últimos tempos, foi obrigado a pronunciar-se sobre uma questão tão grave e tão presente na vida pública brasileira. A súmula vinculante que referendou tal entendimento, tornando-o obrigatório daqui por diante nas decisões judiciais de quaisquer instâncias, foi baixada ontem, também por voto unânime dos 11 ministros da corte.
Diz o enunciado da 13ª Súmula Vinculante: "A nomeação de cônjuge, companheiro ou parente em linha reta, colateral ou por afinidade, até o terceiro grau, inclusive, da autoridade nomeante ou de servidor da mesma pessoa jurídica, investido em cargo de direção, chefia ou assessoramento, para o exercício de cargo em comissão ou de confiança, ou, ainda, de função gratificada na Administração Pública direta e indireta, em qualquer dos Poderes da União, dos estados, do Distrito Federal e dos municípios, compreendido o ajuste mediante designações recíprocas, viola a Constituição Federal."
No fundo, o STF apenas reafirmou a condenação ao nepotismo que já lhe fazia o senso comum da opinião pública, cada vez mais escandalizada pela ocupação dos espaços do Estado por familiares de mandatários políticos. Reafirmou o entendimento também do Ministério Público em especial o do Paraná que, brandindo o mesmo artigo 37 da Constituição, vem promovendo ações civis públicas para conter o vício. E mais: pôs fim à estratégia nitidamente protelatória do Congresso Nacional, que dizia ser necessária uma lei complementar para regulamentar os princípios contidos na Carta Magna.
Não há necessidade de regulamentação. O artigo é auto-aplicável e só mesmo interesses escusos faziam dele letra morta. Como disse o ministro Menezes Direito: "Não é necessária lei formal para aplicação do princípio da moralidade". Ou, como disse o relator da matéria, ministro Ricardo Lewandowski, é falacioso o argumento de que a Constituição Federal não vedou o nepotismo e que, portanto, seria lícito aos governantes empregar parentes. "Esse argumento disse ele está totalmente apartado do ethos que permeia a Constituição cidadã."
Do ministro Celso de Mello ouvimos: "A ilegítima apropriação da res (coisa) pública por núcleos familiares, alternando-se em verdadeiras sucessões dinásticas, constitui situação de inquestionável anomalia a que esta corte suprema não pode permanecer indiferente", acrescentando que "quem tem o poder e a força do Estado em suas mãos não tem o direito de exercer, em seu próprio benefício, a autoridade que lhe é deferida". Ou ainda, nas palavras do Ayres Britto, relator da matéria que, numa frase, registrou uma sutileza lingüística definidora dos limites que distanciam o nepotismo dos princípios da impessoalidade e da moral: "Deve-se tomar posse nos cargos, e não dos cargos".
De fato, não há recursos lingüísticos ou adjetivos retóricos que possam dar sustentação ou legitimidade ao nepotismo. Lamentável exemplo de adjetivação é dado pelo governador do Paraná, que, a pretexto de justificar a nomeação de 13 de seus parentes para cargos na administração estadual, diz tratar-se de um certo "nepotismo esclarecido". Resta-lhe, agora, substantivamente, resignar-se ao édito baixado pelo STF, sem mais tergiversações, assim como compete à Assembléia Legislativa promover a depuração de seus quadros de servidores segundo os ditames da clara regra moralizadora.
Sem dúvida nenhuma, a decisão do STF promove um avanço significativo no sentido do aperfeiçoamento das instituições democráticas do país. Cumpra-se.
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