A cada tempo, os brasileiros se deparam – num misto de surpresa e pesar – com a notícia de que jovens bem-nascidos se transformam em bestas-feras e cometem crimes e delitos típicos de marginais. Podem ser assassinatos brutais como o que envolveu Suzane Von Richtofen, condenada por participar da morte dos pais; e bestialidades como a que vitimou o índio Galdino. Agressões em que a mão pesada coincide com uma arrogância desmedida: num ano garotos da Zona Sul carioca agridem uma empregada doméstica – e se defendem dizendo que pensavam ser uma prostituta. Em outro, num pega de automóveis, atropelam e matam um jovem e ainda subornam policiais.

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O caso mais recente envolve um misto de homofobia e delinquência na via mais rica e importante do país – a Avenida Paulista. Os exemplos se sucedem, num rosário que, por uma questão antropológica, poderia ser iniciado pela morte misteriosa de Aída Cury, no Rio de Janeiro dos anos dourados. O episódio é inconcluso e foi nublado pela exploração indecorosa que dele fez o jornalista David Nasser. Não vem ao caso agora. Importa dizer que a morte operística de Aída – em pleno pós-Guerra – abriu nosso capítulo da série "juventude transviada", como cunhou o cinema, ou "juventude sem causa", como quiseram os mais politizados.

Não faltam explicações para o fenômeno. São de ordem histórica. Diz-se que a juventude é uma invenção de meados do século. O surto desenvolvimentista mundial e a afirmação do estilo americano de vida trouxeram, a reboque, novos padrões de comportamento, mas também a insatisfação com um mundo que se mostrava pronto e acabado. Os carros, os lanches, a moda, a música e a literatura descartável – entre outras maravilhas da cultura pop – teriam resultado, acima de tudo, em uma afirmação hedonista, dando início a uma era em que a crise de sentido corroeria os ganhos da prosperidade. Saldo final: negativo.

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O bad boy, versão mais atualizada da espécie, mais do que um James Dean entediado, ou um existencialista "que vive para morrer e para dizer que não vale a pena viver", tem muito pouco de romântico. Ele até pode descender dessa linhagem juvenil, mas os motivos que o movem são um bocado diferentes daqueles que faziam com que os sem-destino pegassem a estrada e caíssem na vida, cabelos ao vento.

Há no garoto mau – que espanca mulheres, índios, nordestinos e homossexuais – alguém que não está de ressaca diante dos descaminhos do mundo. Ele não responde ao vazio do seu tempo com roupas pretas, gírias, bolas de chiclete e nem com alta velocidade. Do contrário, parece muito satisfeito com mundo onde vive, artificialmente construído em shoppings, superescolas e condomínios fechados. A questão é outra: qualquer situação ou pessoa que ameace essas ilhas de tranquilidades e a maneira linear de pensar sobre a realidade tende a ser rechaçada. Inclusive com braço forte.

Esse diagnóstico é ligeiro e não dá conta do fenômeno, é claro. Mas encontra eco em sociólogos ocupados em explicar a crueldade demonstrada por jovens criados na generosidade de bens e de informação. Não se deve, em absoluto, entender que o acesso à informação e ao conforto sejam passaportes para a deterioração do caráter. Em absoluto. A experiência, inclusive, mostra o contrário. Mas é de fato, e ironicamente, no seio dos mais agraciados que têm se desenvolvido a violência destituída de motivo social, o que no Brasil entendemos por exposição à "pobreza" e à baixa escolaridade.

Vale citar como "explicadores" o norte-americano Robert Putnan – um observador da corrosão causada pelo individualismo na base da sociedade; e o filósofo francês Gilles Lipovetsky, estudioso do que chama de "era dos excessos", na qual antagonismos convivem de forma esquizofrênica.

Uma dessas contradições, costuma citar Gilles, é que as novíssimas gerações burguesas são muito mais preparadas que as anteriores. Navegaram pela internet, viajaram mais, aprenderam línguas, nasceram num mundo sem umas tantas amarras e obscurantismos que marcaram a primeira metade do século. O sentimento de que "não cabem no mundo" ou de que "o mundo não os merece" pode levar à inadequação e ao descompasso.

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Ainda que careça de aferições, a fala do filósofo funciona como uma pista para investigar por que uma pequeníssima parcela de jovens para quem a vida sorriu responde a ela com a brutalidade de um animal ferido. Não restam dúvidas de que os motivos são uma soma de tudo isso. E de que o mundo ficou grande e complexo demais para ser explicado com proposições lineares e taxativas. Mas é preciso responder ao mundo antes que ele nos devore.

Uma das receitas é caseira – e se chama exercício da virtude e do valor. As escolas, em sua maioria, já atinaram para isso e têm feito do combate ao bullying uma causa mais frequente do que vencer a maratona de Matemática. A outra receita – mais difícil – é irmanar a sociedade em torno da juventude, seja ela a desvalida ou a bem-nutrida. Jovens têm de ser a causa de um mundo sem causas.

O pós-Guerra – período que, dizem, inventou a ideia de juventude teve dificuldade de entender a maravilha que criou. Chegou a negá-la. Mas, é bom que se diga, esse mesmo período entendeu que não há sociedade próspera sem uma opção preferencial pelos moços, ricos ou pobres moços. É preciso entender os sinais que eles mandam. Semana passada, vieram da Avenida Paulista, mas são favas contadas que estão debaixo de nossos olhos.