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A calamitosa visita de Lula à Ilha de Fidel, na última semana de fevereiro, confirma que as relações entre Brasil e Cuba são algo esquizofrênicas. Não é de hoje. Desde 1959, ano em que barbudos desceram de Serra Maestra e puseram Fulgencio Batista para correr, nosso gigante pela própria natureza desenvolveu uma estranha obsessão pelo pequeno pedaço de terra cercado de problemas por todos os lados. Chamem um médico.

Não é fácil diagnosticar a enfermidade. Um de seus sintomas é a de confusão mental, como se pôde perceber nas tergiversações de nosso chefe diante da morte do dissidente Orlando Zapata Tamayo, dia 23 de fevereiro, após uma infinda greve de fome. Exigem-se cuidados. Do miolo-mole se pode passar para uma neurose moderada, sob perigo de desencadear uma paranoia braba, dessas que confunde os sentidos. Sem eles, sabe-se, as pernas não obedecem à cabeça. As vítimas acabam pisando onde não deviam. Em graus diversos, todo mundo passou por perrengue parecido algum dia. Lula mais recentemente, seguido da legião daqueles que o seguem quando o assunto é Cuba.

Mesmo com provas do crime escorrendo pelas mãos – como a de que o prazo de validade dos Castro está vencido ou de que los hermanos esmagam os direitos humanos na sola do sapato, seguido de uma cuspida – a crença na Cuba Libre permanece. Inexplicável. É como se estivéssemos seduzidos por Ibrahim Ferrer – com sua voz curtida no rum – a nos cantar nos ouvidos "dos gardenias para ti". E idealizássemos lá, nas águas do Caribe, um lugar romântico e rústico para chamar de nosso, quiçá um Brasil em miniatura, com menos capital e trabalho e mais igualdade social.

Não é uma fantasia de todo absurda. Temos muitas parecenças com eles e não causa espanto que, ao considerá-los da família, lhes façamos concessões desmedidas. O risco é transformar esse afeto num "exercício de cegueira voluntária". É cruel, pois desconsidera a penúria a que estão sujeitos 11 milhões de cubanos. Enquanto os brasileiros – principalmente os mais esclarecidos – alimentam alucinações tropicais à beira do Malecón, uma mulher de nome Candela sai para trabalhar sem saber se o ônibus vai passar na avenida, se vai almoçar e jantar e, pior, o que vai lhe acontecer caso diga o que pensa. E um certo Pablito – formado em faculdade e tudo mais – vende conversa-quase-fiada por US$ 1 nas ruas estreitas de Havana Velha, impedido que é de colaborar um avo para o desenvolvimento de seu país.

O dedo de prosa com os nativos é disputado pelos turistas em visita ao sítio histórico tombado pela Unesco. Quer-se saber da vida nos cortiços e de salsa. O Centro Histórico é de fato e de direito um tesouro barroco. Por suas paredes de pedra e pelo teatro tragicômico que ali se encena. Os cubanos fazem o papel de cantantes e satisfeitos. Os visitantes acreditam que a viagem valeu a pena. Mas que não se pergunte de Fidel, onde mora, ou o que acham dele. É fazê-lo e assistir à correria, como se alguém tivesse gritado: "Vai chover!"

Mas que nada. O Brasil que se deixa pensar por Lula resiste à verdade cubana. Como adolescente, negligencia o braço pesado do estado fidelista. Poliana, toma Cuba por uma cidade cenográfica, quiçá casa de confinamento de algum BBB. Nem Gloria Magadan, a cubana que nos apresentou à telenovela, da qual não nos separaremos jamás, ousaria tamanha licença poética. Cuba tem culpa no cartório. E que se tome bem tomado esse banho de água fria.

Uma das culpas da complacência brasileira se deve ao mito Che Guevara. Na própria ilha muito se atura em nome dele, o que o transforma numa espécie de Inês morta. Ídolo sem-fronteira, cuja imagem estampa de camisetas de camelô a peças de grife, o revolucionário acaba por legitimar – sem que possa argumentar em contrário, como todos os demais – os desmandos de Fidel e Raul. Tristes trópicos.

Enquanto isso, o jornalista Guilhermo Farinãs segue o mesmo de fome e morte de Zapata. Não se trata de literatura, música ou efeito de fumaça de charuto. É realidade. É de dar medo. Isso não se faz.

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