O CEO da rede francesa Carrefour – que também tem lojas em dezenas de outros países, incluindo o Brasil, onde é a maior rede supermercadista – quis agradar o setor agrícola de seu país e acabou deflagrando uma guerra comercial. Em 20 de novembro, Alexandre Bompard anunciou em seus perfis nas mídias sociais que o Carrefour não compraria carne de nenhum país do Mercosul, e ainda estimulou outras companhias francesas a fazer o mesmo. O anúncio ocorreu em meio a protestos de agricultores e pecuaristas franceses – um setor que só mantém sua competitividade à custa de pesados subsídios governamentais – contra a possibilidade de assinatura do acordo comercial entre Mercosul e União Europeia, cujas negociações haviam sido concluídas em 2019, mas que depende do aval de todos os países envolvidos para entrar em vigor.
Em retaliação, várias entidades do setor agropecuário brasileiro anunciaram um boicote ao Carrefour, prometendo deixar de vender proteína animal também para as unidades da rede no Brasil, em atitude que ganhou o apoio entusiasmado do ministro da Agricultura, Carlos Fávaro: “se não serve ao francês, não vai servir aos brasileiros. Então, que não se forneça carne nem para o mercado desta marca aqui no Brasil”, afirmou no dia 21. Para completar, entidades do setor de bares e restaurantes também começaram a estimular seus membros a não usar o Carrefour como fornecedor dos produtos usados em seus estabelecimentos. O jornal O Estado de S.Paulo e a CNN Brasil observaram falta de carnes nas gôndolas de alguns supermercados da rede, mas o Carrefour Brasil nega desabastecimento.
O boicote, sempre que adotado livremente, é resposta legítima de quem se julga prejudicado ou ofendido
Diante do boicote ao Carrefour, a operação brasileira da rede ainda tentou jogar água na fervura, alegando que a medida valia apenas para a França, que tinha sido tomada em um contexto local, e que o anúncio não era uma crítica à qualidade do produto oriundo do Mercosul. Não adiantou absolutamente nada: primeiro, porque não havia ignorância alguma a respeito do alcance da medida e dos protestos na França; segundo, porque Bompard se referiu, sim, ao “risco de a produção de carne que não cumpre com seus requisitos e padrões se espalhar pelo mercado francês” caso o acordo Mercosul-UE seja aprovado.
O mais surreal deste episódio é que a afirmação de Bompard não era apenas absurda, mas completamente desnecessária: nos primeiros dez meses deste ano, a França inteira comprou menos de 40 toneladas de carne brasileira, ou 0,02% das exportações brasileiras de proteína animal. Essa mera afirmação teria bastado para apaziguar os agricultores franceses, ao menos em relação à empresa que administra; ao querer fazer populismo, o CEO do Carrefour colocou em risco a saúde financeira da empresa: segundo outro executivo francês, Stéphane Engelhard, ex-vice-presidente de Relações Institucionais do Carrefour no Brasil, a operação brasileira responde por 40% do Ebitda (lucro antes de juros, impostos, amortização e depreciação) global do Carrefour. Engelhard chamou a declaração de Bompard de “inapropriada”, “inacreditável” e “um desastre”.
Igualmente desastrosa já havia sido outra bravata vinda do setor alimentício francês: no fim de outubro, Jurgen Esser, diretor financeiro global da empresa de laticínios Danone, afirmou que não estava mais comprando soja do Brasil, alegando que “temos um rastreamento muito efetivo e podemos assegurar que só utilizamos ingredientes sustentáveis em nossos processos”, insinuando que o produto brasileiro não era sustentável. Após ameaças de boicote, a empresa recuou, afirmando em nota que “a informação veiculada [de que a Danone não estava adquirindo soja brasileira] não procede” – como não era possível negar que Esser dissera o que dissera, na prática o comunicado equivalia a afirmar que o executivo ou estava desinformado, o que é inaceitável para alguém no cargo que ocupa, ou estava mentindo, seja lá com que intenção.
Que as alegações dos dois executivos sobre a suposta falta de sustentabilidade do agronegócio brasileiro são totalmente infundadas é amplamente sabido. Que a França trabalha ativamente para acabar com o acordo Mercosul-UE também é evidente, e nem o presidente Emmanuel Macron o nega. Se Danone e Carrefour estão agindo por conta própria ou se estão fazendo o jogo do governo pouco importa. O boicote, em casos como este, é uma resposta legítima como forma de protestar contra o que se considera um grande absurdo; cada pecuarista brasileiro sabe o quanto perde ou deixa de ganhar aderindo ao boicote ao Carrefour e, se acredita que o sacrifício vale a pena, tem o direito de decidir de que forma e por quanto tempo deixará de vender carne às lojas brasileiras da rede de supermercados. Não se trata, aqui, de ufanismo estéril, mas de uma ação livre em defesa do próprio produto.
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