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Editorial

A “sinalização” que Bolsonaro espera, e a que o povo já deu

No Alvorada, Bolsonaro disse que aguardava "uma sinalização do povo" e que um "problema sério" está por vir. (Foto: Presidência da República)

Na última quarta-feira, diante de apoiadores, no Palácio da Alvorada, o presidente da República, Jair Bolsonaro, voltou a insinuar que algo muito sério está para ocorrer. “O Brasil está no limite. O pessoal fala que eu devo tomar providências. Eu estou aguardando o povo dar uma sinalização. Porque a fome, a miséria e o desemprego estão aí. Não vê quem não quer (...) Amigos do Supremo Tribunal Federal, daqui a pouco vamos ter uma crise enorme aqui. Vi que um ministro despachou um processo pra me julgar por genocídio. Olha, quem fechou tudo e está com a política na mão não sou eu. Não quero brigar com ninguém, mas estamos na iminência de ter um problema sério no Brasil. O que nascerá disso tudo, onde vamos chegar? Parece que é um barril de pólvora que está aí”, afirmou.

Em outras ocasiões, o presidente já recorreu a insinuações mais ou menos claras e linguagem cifrada em momentos de insatisfação com situações que considerou injustas ou absurdas. Em abril de 2020, houve o discurso diante da sede do Exército, com o “nós não queremos negociar nada. Nós queremos é ação pelo Brasil”, seguido pelo “acabou a época da patifaria” e pelo “é o povo no poder”. Bolsonaro iniciou o mês seguinte afirmando: “Peço a Deus que não tenhamos problema esta semana, porque chegamos no limite”, e terminou maio reclamando da operação da Polícia Federal contra bolsonaristas, ordenada pelo Supremo, dizendo que “não teremos outro dia como ontem, chega”. Em março deste ano, em live, Bolsonaro disse estar “antevendo problema sério no Brasil. Não quero falar que problemas são esses porque não quero que digam que estou estimulando a violência. Mas teremos problemas sérios pela frente”. E, também no Alvorada, indagou: “Será que a população está preparada para uma ação do governo federal dura no tocante a isso?”, em referência às medidas restritivas impostas por governadores e prefeitos.

O povo, mesmo, não quer aventuras autoritárias, discursos ameaçadores ou rupturas institucionais

Por mais que houvesse quem fizesse pouco de tais declarações ou as minimizasse como bravatas ditas no calor do momento, fato é que esses não são temas que permitem ambiguidade ou ligeireza: são todas palavras que, no mínimo, deixam no ar a possibilidade de uma ruptura institucional. Tal ruptura, felizmente, nunca veio; em vários casos, aliás, o presidente tratou de baixar o tom nos pronunciamentos subsequentes ou com suas atitudes. Quanto a “não negociar nada”, por exemplo, o Centrão já sabe que não é bem assim. Mas esse tipo de linguagem cifrada, que não deixa nada às claras, serve apenas para jogar lenha na fogueira e atiçar o “barril de pólvora”, quando o Brasil precisa é de estabilidade e tranquilidade. Bolsonaro não diz quem é “o pessoal”, não diz quais são essas “providências”, não diz que “sinalização” estaria esperando, não diz que “problema sério” é esse que estamos na iminência de experimentar. É o tipo de discurso que mantém tudo no ar e apenas mobiliza a militância mais aguerrida, aquela que continua defendendo a “intervenção militar”, eufemismo para golpe.

A verdade é que o povo, mesmo, não quer aventuras autoritárias, discursos ameaçadores ou rupturas institucionais. O “problema sério” já está aí desde março de 2020, e atende pelo nome de pandemia. O povo dá “sinalização” quando morre aos milhares diariamente e quando procura maciçamente os postos de vacinação para se proteger da Covid-19. O povo quer trabalhar em paz e poder abraçar a família e os amigos, mas para isso será preciso vencer o coronavírus. Bolsonaro, no entanto, vive alegando que para isso não pode tomar “providência” nenhuma porque lhe retiraram o poder, o que não é verdade. Poderia ter tomado a “providência” de aceitar termos contratuais que não são incomuns, que o mundo todo estava aceitando e que poderiam ter garantido dezenas de milhões de doses de determinada vacina quando elas foram oferecidas ao Brasil. Poderia ter tomado a “providência” de ordenar à sua diplomacia que priorizasse a importação de vacinas e insumos onde quer que estivessem disponíveis. Poderia ter tomado a “providência” de estimular comportamentos responsáveis e simples, como o uso de máscaras e o distanciamento. Só recentemente tomou uma “providência” que deveria ter tomado há mais de um ano, ao montar um comitê de crise para avaliar ações de combate à pandemia.

A “sinalização” já está dada há muito tempo. O povo quer menos insinuações sobre soluções de força, e mais trabalho para que o Brasil supere a pandemia. Quer paz para produzir e trabalhar, mas essa paz só existe quando há compromisso com a democracia, o regime que melhor permite às pessoas colocar seu potencial a serviço do bem comum. O país precisa de lideranças comprometidas com os valores morais caros ao brasileiro, com a responsabilidade fiscal e o liberalismo econômico, mas também com o ethos democrático. Se é isso que Bolsonaro quer, que troque logo esse discurso que só empolga os militantes mais aguerridos por ações que unam o país e façam o Brasil melhor.

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