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Editorial

Bolsonaro passa a tesoura no “orçamento secreto”

Lira e Bolsonaro: parceria deve se intensificar
Arthur Lira (PP-AL) assinou ato concedendo aposentadoria ao presidente Jair Bolsonaro (PL) em razão do período em que o atual chefe do Executivo cumpriu mandato como deputado federal. (Foto: Palácio do Planalto)

Cobertor curto ou retaliação política, é o de menos. O presidente Jair Bolsonaro fez a coisa certa ao passar uma tesoura no “orçamento secreto”, como ficaram conhecidas as emendas de relator, ou RP9 no jargão formal do parlamento. Na quarta-feira, 30 de novembro, Bolsonaro assinou um decreto bloqueando a execução de parte dessas emendas e enviou ao Congresso um projeto de lei remanejando recursos do “orçamento secreto” para o pagamento de outras despesas que são de execução obrigatória (ou RP1, na nomenclatura oficial). Essa última intenção, no entanto, pode não prosperar porque será avaliada justamente por aqueles que têm mais interesse na manutenção desse instrumento imoral, que desvirtua a finalidade das emendas parlamentares e sacrifica a isonomia em nome da reabertura de um balcão de negócios entre governo, deputados e senadores.

A bem da verdade, se há gastos de execução obrigatória a realizar até o fim deste ano e que ainda necessitam de recursos, não há alternativa a não ser buscar o dinheiro disponível que estava comprometido nas chamadas “despesas discricionárias”, aquelas que o governo pode ou não executar. Se esse dinheiro é aquele mesmo que havia sido guardado para as emendas de relator, isso é apenas um indicador de como a fome dos parlamentares acabou tomando para si os recursos que deveriam estar alocados em outras rubricas do orçamento. A esse respeito, é preciso lembrar que não existia limite para o “orçamento secreto” até o fim do ano passado; pressionado pelo STF, que determinara maior transparência na alocação das emendas, o Congresso aprovou um projeto de resolução que, entre outros itens, limitava as emendas de relator à soma das emendas individuais e de bancada, o que ainda assim deixava pouco mais de R$ 15 bilhões para as RP9.

O que toda essa discussão deixa evidente são os motivos pelos quais as emendas de relator jamais deveriam existir. O corte é a decisão certa, mesmo se os seus motivos não forem os melhores

Na época, uma declaração do senador Marcelo Castro (MDB-PI), que fora o relator da resolução e hoje é relator do Orçamento de 2023, demonstra bem como o Congresso enxerga o dinheiro do contribuinte, pois o parlamentar insinuou que a sociedade deveria, no fim das contas, ser grata aos deputados e senadores. “O relator do Orçamento deste ano, 2021, fez R$ 30 bilhões de emendas. Fez por quê? Porque quis. Ele poderia ter feito R$ 100 bilhões, não tinha limite. O que é que eu estou fazendo aqui na nossa resolução? (...) Nós estamos fazendo a mais”. Em outras palavras, o que Castro dizia era que o Congresso, se quisesse, poderia ter tomado muito mais dinheiro do contribuinte por meio de um estratagema imoral, mas se contentou em tomar menos, e por isso deveríamos todos respirar aliviados, já que a imoralidade não foi tão grande quanto poderia ter sido...

Se a hipótese do cobertor curto já demonstra o enorme erro embutido nas emendas de relator, cujo objetivo original não tinha relação nenhuma com a forma como elas são usadas hoje, a outra possibilidade expõe outro defeito grave das RP9. Parlamentares que já foram da base do governo acusam Bolsonaro de retaliar politicamente o Congresso – especialmente o Centrão, principal beneficiário do “orçamento secreto” – após a aproximação entre o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), e o presidente eleito Lula, e que já resultou na declaração de apoio do PT e de vários outros partidos de esquerda à reeleição de Lira para o biênio 2023-24. “Ninguém vai votar aquela baboseira dele [Bolsonaro] não, o Lira e o [Rodrigo] Pacheco [presidente do Senado] já compuseram com o Lula”, disse à Gazeta do Povo um deputado que se afastou da base aliada.

Que o Centrão fisiológico não tem ideologia é algo que todas as paredes de Brasília sabem. Muitos que até agora se diziam “fechados com Bolsonaro” não pensarão duas vezes antes de “fazer o L” assim que o petista subir a rampa do Planalto – se é que não o estão fazendo desde já – e defender o que antes criticavam. Lira quer seguir dando as cartas na Câmara; o PT precisa de Lira desde já para aprovar a PEC fura-teto, mas também quer construir maioria no Congresso e evitar a repetição de 2015, quando ganhou um inimigo ao bater de frente com Eduardo Cunha, e por isso não se incomoda em apoiar quem agiu como fiel escudeiro de Bolsonaro nos últimos dois anos. Se a mudança do Centrão para a órbita de Lula realmente pesou na decisão do presidente de cortar o “orçamento secreto”, isso apenas evidencia como as emendas de relator, no fim, são também instrumento de barganha política e troca de apoio por recursos que deputados e senadores podem usar como trunfo em suas bases eleitorais.

No fim, o que toda essa discussão deixa evidente são os motivos pelos quais as emendas de relator jamais deveriam existir, ao menos na forma como vêm sendo usadas nos últimos anos. O corte é a decisão certa, mesmo se os seus motivos não forem os melhores. Infelizmente, as perspectivas não são animadoras: o “orçamento secreto” tem tudo para continuar no governo Lula, apesar de ter sido muito criticado pelo petista durante a campanha, e há pressões para transformar sua execução em obrigatória, mostrando como o apetite de parte dos parlamentares pelo suado dinheiro do contribuinte brasileiro não tem fim.

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