Nesta terça-feira, o presidente Jair Bolsonaro deu continuidade a uma tradição que remonta ao início da Organização das Nações Unidas, 75 anos atrás: é sempre o discurso do chefe de Estado brasileiro que dá início aos debates da Assembleia Geral. O jubileu deveria ser uma ocasião festiva, levando ainda mais líderes mundiais a Nova York que de costume, mas a pandemia do coronavírus forçou a sessão a ter apenas discursos gravados e transmitidos por vídeo. A Covid-19, na fala de Bolsonaro, dividiu o centro das atenções com a questão ambiental.
A escolha dos dois principais temas chega a ser natural, dada a dimensão mundial da pandemia e a pressão internacional sobre o Brasil diante do recrudescimento dos focos de incêndio na Amazônia e no Pantanal. Ao falar sobre o coronavírus, eximir-se de responsabilidade quanto a decisões sobre isolamento social e medidas restritivas (ocasião em que distorceu o sentido da decisão do STF sobre a competência conjunta de União, estados e municípios) e defender ações como o auxílio emergencial, no entanto, Bolsonaro deu a impressão de estar se dirigindo mais ao público interno que ao estrangeiro. Por mais que o Brasil esteja entre os líderes mundiais em números absolutos de casos e mortes, até pelo tamanho de sua população, não está havendo exatamente uma cobrança internacional sobre o presidente brasileiro; fora as absurdas acusações de “genocídio” rapidamente descartadas pelo Tribunal Penal Internacional, o que tem havido é principalmente o espaço dado a críticos do presidente por uma imprensa de viés mais à esquerda.
Será justamente o agronegócio brasileiro a principal vítima caso o mundo se convença de que o Brasil não está fazendo o suficiente por suas florestas
Situação bastante diferente é o caso do meio ambiente, tema que já chegou a ser usado até mesmo em uma tentativa de bombardear o acordo de livre comércio entre o Mercosul e a União Europeia, no ano passado. Sem arroubos como os de Paulo Guedes, que em agosto afirmou que os norte-americanos só estavam preocupados com as florestas brasileiras porque já haviam desmatado as deles, Bolsonaro defendeu o combate ao desmatamento ilegal, mas também disse haver uma “campanha de desinformação” motivada pelo desempenho do agronegócio brasileiro, uma das áreas em que o Brasil enfrenta as maiores resistências protecionistas mundo afora.
No entanto, apenas alegar que o Brasil é vítima de interesses escusos estrangeiros não será suficiente para convencer a comunidade internacional. Mesmo dentro do governo há alas que pressionam por uma resposta mais efetiva contra as queimadas e o desmatamento, pois será justamente o agronegócio brasileiro a principal vítima caso o mundo se convença de que o Brasil não está fazendo o suficiente por suas florestas e feche suas portas aos produtos brasileiros. Infelizmente, neste ponto Bolsonaro ainda não tem resultados concretos para mostrar além da promessa de firmeza contra o desmatamento ilegal.
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Por fim, o presidente ainda tratou de temas de alcance regional e global, ressaltando o papel do Brasil na construção de iniciativas de paz e saudando os recentes entendimentos entre Israel e nações árabes como o Bahrein e os Emirados Árabes Unidos. Houve, ainda, tempo para a defesa dos direitos humanos, especialmente da liberdade religiosa; para críticas à ditadura de Nicolás Maduro na Venezuela; e para temas ligados à cooperação internacional, como a reforma da Organização Mundial do Comércio.
Que há um esforço claro da parte do governo brasileiro de buscar maior inserção internacional é evidente. Bolsonaro, em seu discurso, adequou-se às circunstâncias, adotando uma postura mais defensiva devido à pressão na questão ambiental, que continua sendo a pedra no sapato brasileiro diante da comunidade global. O discurso não fugiu do que se esperaria em uma ocasião como essa, mas o que realmente abrirá as portas do mundo ao Brasil como ator global relevante são as ações, mais que as palavras.