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Editorial

Bolsonaro e as vacinas

Bolsonaro considera que decretos de toque de recolher em alguns estado têm semelhança com estado de sítio.
Bolsonaro considera que decretos de toque de recolher em alguns estado têm semelhança com estado de sítio. (Foto: Alan Santos/Presidência da República)

“A vacina é nossa arma”, dizia o texto colocado sobre uma foto do presidente Jair Bolsonaro, publicada pelo filho Flávio nas mídias sociais. No Palácio do Planalto, ao sancionar lei que facilita a aquisição de vacinas, inclusive pela iniciativa privada, Bolsonaro prometeu 400 milhões de doses até o fim do ano – o que bastaria para imunizar praticamente toda a população acima de 18 anos, considerando a aplicação de duas doses por pessoa. O Ministério da Saúde acabou de fechar acordo para comprar 10 milhões de doses da vacina russa Sputnik V e ainda negocia com a Pfizer. Antes tarde do que nunca, o governo acordou para a necessidade de vacinar a população.

O país, infelizmente absorvido desde o início da pandemia por uma falsa dicotomia que opunha a salvação de vidas e a preservação da economia, acabou tragado também por uma segunda falsa dicotomia, entre tratamento e vacina. “Não queremos a vacina, nós temos cloroquina”, chegaram a dizer manifestantes em protestos. Mas não há a menor contradição em buscar ambas as alternativas; desde a descoberta dos métodos de vacinação, é o que a medicina vem fazendo contra inúmeras doenças. Que se continuem pesquisando possíveis tratamentos para a Covid, mas a única forma de vencer definitivamente a pandemia é a vacinação. Ninguém precisa ser especialista no ramo da saúde para concluir isso; basta a sabedoria popular, que sempre rezou “é melhor prevenir que remediar”.

Se Bolsonaro passou a promover as vacinas por convicção ou por mero cálculo eleitoral, pouco importa, desde que as vacinas cheguem o quanto antes, na quantidade necessária

Um vírus ou bactéria só para de circular em uma sociedade se houver um número muito alto de pessoas que estejam imunizadas. Se hoje não precisamos nos preocupar com surtos de uma série de doenças, é porque existe uma ampla cobertura vacinal para elas – e o fato de tais doenças reaparecerem assim que a porcentagem de imunizados diminui, como ocorreu em 2020 com o sarampo, apenas reforça essa constatação. No caso do coronavírus, interromper sua circulação também é o meio mais seguro de evitar que o Sars-CoV-2, graças ao contato prolongado com a população, desenvolva variantes mais transmissíveis e letais, como as que vêm preocupando todo o mundo mais recentemente.

Teria Bolsonaro finalmente se convencido disso tudo, ainda por cima aderindo à máscara em aparições públicas? Este é o presidente que, dias atrás, mandava os que pediam mais vacinas comprá-las “na casa da tua mãe”; que celebrou a morte de um voluntário da Coronavac; que rejeitou a possibilidade de adquirir antecipadamente dezenas de milhões de doses da vacina da Pfizer, aquela que transformaria as pessoas em “jacaré”; que pediu a cota mínima no consórcio mundial Covax, quando tinha a chance de garantir vacinas para metade da população; que afirmou não haver justificativa para a “pressa” por ter vacinas disponíveis. Ou estamos diante de uma mudança radical (e extremamente bem-vinda) de mentalidade, ou é preciso achar as razões para a guinada em outro lugar.

E só existe um único “outro lugar” possível: o Sindicato dos Metalúrgicos do ABC, onde o ex-presidente, ex-presidiário e agora ex-condenado Lula fez uma apologia da vacina pouco antes do evento no Palácio do Planalto. Obviamente, tudo o que sai da boca do maior mentiroso da história do país tem de ser lido cum grano salis, mas é inegável que o discurso de campanha eleitoral e seu melífluo tom “paz e amor” tinham o objetivo de conquistar o eleitor do centro, que será decisivo em uma eventual polarização entre Lula e Bolsonaro em 2022. Não foi um discurso “de estadista”, como chegaram a afirmar comentaristas meio deslumbrados com Lula, meio guiados pelo próprio antibolsonarismo, mas uma coleção de disparates, especialmente sobre a Operação Lava Jato e sobre a economia nacional; a menção às vacinas foi apenas aquele momento raro em que o relógio quebrado acerta as horas. E como responder ao desafio do petista? Dobrar a aposta na radicalização, para Bolsonaro, significaria apenas manter o eleitorado que já lhe é fiel, com o risco de abandonar grandes parcelas do eleitorado nas mãos do sedutor populismo lulista.

Se Bolsonaro passou a promover as vacinas por convicção ou por mero cálculo eleitoral, pouco importa, desde que as vacinas cheguem o quanto antes, na quantidade necessária. O presidente não precisa acreditar piamente no seu discurso pró-vacina, basta que o coloque em prática com eficiência, em coordenação com estados, municípios e iniciativa privada, finalmente aproveitando toda a experiência brasileira em campanhas de vacinação em massa. Já era hora desta guinada muito necessária, que aumenta as esperanças de que o Brasil finalmente supere a pandemia de Covid-19, que está em seu momento mais crítico no país.

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