Tanto o PT quanto o PDT acionaram a Justiça Eleitoral na tentativa de cassar a candidatura de Jair Bolsonaro (PSL) por suposto caixa dois, além de outros crimes eleitorais. A ação dos partidos – o PT é adversário de Bolsonaro no segundo turno; o PDT se julga prejudicado por ter ficado em terceiro lugar no primeiro turno – se baseia em uma reportagem da Folha de S.Paulo publicada no dia 18 e que denuncia uma suposta compra de pacotes de divulgação em massa de mensagens pelo WhatsApp por parte de empresas ou empresários que apoiam Bolsonaro. As mensagens, críticas ao PT e elogiosas ao candidato do PSL, seriam enviadas na semana imediatamente anterior ao segundo turno.
Este é um caso em que seria muito fácil desqualificar o acusador. O PT, afinal, não tem o menor apreço pela “voz das urnas” quando esta lhe é contrária, e tem jogado sujo já há muitas eleições – seja do ponto de vista legal, com parte da sangria promovida pelo partido na Petrobras irrigando as campanhas petistas, como vem demonstrando a Operação Lava Jato; seja do ponto de vista moral, por exemplo com a desconstrução feroz da campanha de Marina Silva, em 2014, mesmo ano em que Dilma promoveu seu estelionato eleitoral mentindo descaradamente sobre a situação da economia brasileira. Na campanha de 2018, o partido, primeiro, quis bagunçar todo o processo eleitoral com o registro da candidatura de um notório ficha-suja; depois, esteve por trás do “mensalinho do Twitter”, em que “influenciadores” estavam recebendo dinheiro para divulgar mensagens favoráveis a candidatos petistas. E, na guerra generalizada de fake news, o PT é vítima, mas também é algoz, como no caso recente em que a conta de Twitter de Fernando Haddad divulgou (e depois apagou) uma informação falsa sobre suposto voto de Bolsonaro contrário a um projeto de lei sobre inclusão de portadores de deficiência, isso vários dias depois de a informação já ter sido desmentida nas mídias sociais.
Caberá ao Ministério Público Eleitoral investigar cuidadosamente as denúncias
Mas não se pode cair na falácia do argumento ad hominem, muito menos desqualificar o fato de o PT recorrer à Justiça Eleitoral como uma tentativa de “vencer no tapetão” – do contrário, teríamos de dizer o mesmo da ação protocolada pelo PSDB após as eleições de 2014, pedindo a cassação da chapa Dilma-Temer por abuso de poder econômico mais que comprovado; na ocasião, só a desfaçatez de quatro ministros do TSE explicou o fato de Dilma e Temer escaparem da punição. O Ministério Público Eleitoral e a Justiça Eleitoral existem para isso mesmo: receber denúncias, promover investigações e julgar os casos que chegarem à corte. A questão que se coloca é: pelo que se sabe até o momento, há consistência no caso envolvendo Bolsonaro, seus apoiadores e o WhatsApp?
Para começar, ainda faltam os indícios de materialidade do suposto crime eleitoral, pois não foi oferecida ao público comprovação ou documentação de que o esquema realmente exista, o que por enquanto coloca em xeque a própria fundamentação da denúncia. Nesta sexta-feira, o WhatsApp cancelou as contas de agências que enviam mensagens em massa e que tinham sido mencionadas na reportagem, mas não deu maiores detalhes sobre o teor dos conteúdos que já teriam sido compartilhados, o que não permite avaliar se os envios eventualmente já feitos configurariam a existência de um esquema criminoso.
Para fins de argumentação, suponhamos que realmente haja empresários pagando agências para fazer um disparo em massa de mensagens; ainda assim, há uma série de perguntas a responder. A primeira se refere à origem do dinheiro: viria de pessoas físicas ou pessoas jurídicas? A capa da Folha do dia 18 fala em “empresas”, enquanto o título da reportagem se refere a “empresários” – e, apesar do uso do plural, apenas a rede de lojas Havan foi citada, e seu proprietário, Luciano Hang, nega ter pago pelo envio de mensagens. No Brasil, pessoas jurídicas não podem contribuir para campanhas eleitorais, mas pessoas físicas podem, dentro de um certo limite. No entanto, a denúncia não envolve doação oficial de campanha – daí a acusação de caixa dois. Para tanto, seria preciso mostrar que o esquema foi realizado com o conhecimento ou a anuência de Bolsonaro. E se tiver sido uma iniciativa independente, tomada por apoiadores do candidato, seria possível considerá-la doação irregular de campanha?
E, caso se trate de uma ação individual sem o conhecimento da campanha de Bolsonaro, surgem novas dúvidas. A Resolução 23.551/2017 do TSE, que tem as regras para a propaganda eleitoral em 2018, proíbe expressamente a compra de cadastros – as listas de números de telefone das pessoas que receberão os conteúdos pelo WhatsApp – em seu artigo 26, e pune o responsável pelo envio das mensagens, independentemente de ter alguma ligação formal com a campanha; o candidato é responsabilizado se “comprovado seu prévio conhecimento”. Mas e se o envio de mensagens tiver usado apenas a base de dados fornecida pela própria campanha, com os números de pessoas que voluntariamente se dispuseram a informar seus dados? Mais uma vez, a reportagem diz que houve compra de cadastros, mas sem oferecer provas, e também começa a ficar claro que a própria Resolução 23.551 não foi capaz de prever todas as situações e delimitar exatamente até onde vai a liberdade individual quando se trata de ajudar um candidato.
Caberá ao Ministério Público Eleitoral investigar cuidadosamente as denúncias; se efetivamente for possível ir além do que foi publicado até agora, ligando todos os fios soltos – que no momento são muitos – e descobrindo que realmente há fortes indícios de crime eleitoral, que o caso seja levado ao TSE, com o julgamento e a responsabilização dos envolvidos, o que não exclui o próprio Bolsonaro. Do contrário, teremos de nos questionar se não estamos diante de mais uma tentativa petista de deslegitimar uma eleição que o PT está prestes a perder, mostrando como o discurso que tenta colocar a legenda no “campo democrático” não passa de engodo puro do partido que desde o início do ano vem tentando tumultuar o processo com o (felizmente já esquecido) “eleição sem Lula é fraude”.