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Editorial

Bolsonaro e os desejos do eleitor

 | Mauro Pimentel/AFP
(Foto: Mauro Pimentel/AFP)

Ao conquistar, na noite de domingo, a Presidência da República com o voto de 57,8 milhões de eleitores, Jair Bolsonaro agradeceu a todos os que nele votaram e que o ajudaram voluntariamente durante a campanha, cumprindo o papel que anteriormente cabia à propaganda eleitoral no rádio e televisão, ou à militância paga. Mas a novidade trazida com a vitória de Bolsonaro não se resume a esse estilo novo de campanha: uma mobilização deste porte não teria sido possível se não houvesse uma parte relevante da população que se viu representada não só pela rejeição ao PT encarnada por Bolsonaro, mas também pelo ideário que o candidato vitorioso assumiu para si – em alguns casos, até mesmo rompendo com o que ele havia defendido no passado.

O processo eleitoral de 2018 representou uma espécie de “redenção” para um leque de ideias razoavelmente amplo e que havia sido relegado ao ostracismo por décadas de dominação da esquerda no campo político e intelectual, mas que nunca deixaram de fazer parte da essência do brasileiro. Isso é especialmente verdadeiro no campo dos costumes.

Quem observasse apenas as políticas de governo adotadas especialmente durante os governos petistas (e que não chegaram a ser abandonadas nos dois anos e meio de Michel Temer no Planalto), bem como a produção cultural, o mundo do entretenimento e boa parte da imprensa, poderia imaginar que o brasileiro, em sua maioria, teria uma postura totalmente permissiva no que diz respeito a temas como aborto, drogas, questões de gênero e até a violência urbana, para ficar em apenas alguns deles. A realidade, no entanto, é bastante diferente: o brasileiro defende a vida desde a concepção; não quer ver sua família envolvida com vícios mortais; deseja oferecer a seus filhos uma educação moral de acordo com suas convicções, sem imposições de teorias que negam o óbvio; e deseja viver em segurança, contando que os criminosos serão responsabilizados pelas escolhas erradas que fizeram.

2018 foi o ano em que a “janela de Overton” brasileira se alargou

A pauta conservadora em termos de costumes, no entanto, nunca havia sido plenamente abraçada por candidatos eleitoralmente fortes nos pleitos anteriores. Os brasileiros que dão valor a esses temas – e eles são muitos – passaram por várias eleições praticamente órfãos, tendo de optar entre “males menores”. As mobilizações populares contra a implantação da ideologia de gênero nos planos de educação e a luta contra a legalização do aborto permitem concluir que a classe política não pode alegar que não sabia o que o brasileiro realmente pensava. Mas, pelos mais diversos motivos – da miopia político-eleitoral ao desprezo puro e simples pela pauta conservadora –, os grandes partidos não souberam responder a esse anseio, jogando todo esse eleitorado no colo daquele que assumiu tais pautas com convicção.

E também é com otimismo que vemos a ascensão de uma pauta liberal em temas econômicos. Muitas décadas de estatismo causaram um estrago considerável na cultura do brasileiro, que, se por um lado jamais deixou de ser empreendedor – às vezes mais por necessidade que por convicção –, ao mesmo tempo se acostumou a ver no Estado um grande provedor. Infelizmente, a máxima de que “não existe almoço grátis” foi aprendida à custa de muito sofrimento, causado pela crise cuja origem estava justamente em políticas intervencionistas e que não colocavam limite no gasto público.

“Vamos desburocratizar, simplificar e permitir que o cidadão, o empreendedor, tenha mais liberdade para criar e construir o seu futuro. Vamos ‘desamarrar’ o Brasil”, prometeu Bolsonaro em seu discurso de domingo à noite, logo após dizer que “o governo federal dará um passo atrás, reduzindo a sua estrutura e sua burocracia”. Que esse discurso tenha saído vencedor é admirável, considerando que algum tempo atrás somente as promessas de mais Estado e mais gastos públicos tinham sucesso eleitoral. E é preciso lembrar que Bolsonaro não foi o único a defender a plataforma liberal: ela foi o carro-chefe da campanha do Novo, partido estreante que conseguiu 2,5% dos votos válidos para a Presidência com João Amoêdo e venceu a disputa pelo governo de Minas Gerais.

Podemos dizer que 2018 foi o ano em que a “janela de Overton” brasileira se alargou. Esse conceito foi criado nos anos 90 por Joseph Overton e descreve um “intervalo” que compreendia as ideias que um candidato poderia defender para ter chances de vencer uma eleição. Algumas ideias seriam um consenso; outras seriam desejáveis, aceitáveis, toleráveis, até chegarmos ao radical, ao extremo, ao inaceitável. A pauta conservadora nunca esteve fora dessa janela: sempre foi um anseio do brasileiro, mas não havia quem a defendesse. Já o ideário liberal em economia chegou a ser visto por muito tempo como absurdo, como receita certa para o fracasso nas urnas – agora, não mais.

O brasileiro depositou um voto de confiança em candidatos portadores dessas ideias – tanto para a Presidência quanto para o Congresso; serão Bolsonaro e os novos deputados e senadores capazes de levá-las adiante? A defesa da vida e da família, a redução do tamanho do Estado e da burocracia estatal são objetivos que podem ser atingidos por diversos meios, e nem sempre aqueles propostos pelo governo serão os melhores; alguns podem até mesmo ser muito equivocados. Todo o debate parlamentar em torno desses temas faz parte do jogo democrático; apesar das décadas de experiência como deputado, Bolsonaro agora estará em outra posição, no Poder Executivo, e vários dos que comungam das mesmas ideias chegam ao Congresso como novatos. Tornar realidade os compromissos de campanha exigirá boas doses de competência e humildade para reconhecer quando for preciso corrigir rumos. Essas qualidades serão postas à prova, e os brasileiros esperam que Bolsonaro e seus apoiadores no Congresso passem pelos vários testes a que serão submetidos nos próximos quatro anos.

Mas não é só em Brasília que se decidirá o futuro do país. Bolsonaro, aliás, disse em seu discurso que desejava “mais Brasil e menos Brasília”. É por isso que, como explicou Bruno Garschagen em sua coluna na Gazeta do Povo, conservadores sabem que não há salvadores da pátria e não terceirizam suas responsabilidades a seus líderes. A grande força transformadora da sociedade é ela própria; e, tomando as rédeas do seu destino, ela assume protagonismo cada vez maior. Aos governantes cabe compreender o recado, as contribuições e também as críticas que virão nos momentos em que se desviarem do caminho.

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