O ministro do STF Kassio Nunes Marques.| Foto: Fellipe Sampaio/SCO/STF

Quando tomou posse na Presidência da República, em janeiro de 2019, Jair Bolsonaro já sabia que teria nas mãos a possibilidade de mudar o perfil – ou ao menos começar um processo de mudança – do Supremo Tribunal Federal. Era certo que ele faria ao menos duas nomeações, para suceder Celso de Mello e Marco Aurélio Mello, que chegariam à idade de aposentadoria em 2020 e 2021, respectivamente. A primeira chance foi bizarramente desperdiçada por Bolsonaro, que não pode repetir em 2021 aquele que talvez tenha sido seu maior erro de 2020.

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Juristas notáveis, na magistratura e na academia, que têm sólido conhecimento e profundo respeito pelas leis e pela Constituição, que são avessos ao ativismo judicial e duros com a corrupção, há muitos, e Bolsonaro certamente recebeu várias sugestões valiosas, feitas por pessoas comprometidas com as mesmas pautas que o levaram à vitória em 2018. Em vez de ouvi-las, o presidente preferiu escutar o senador Ciro Nogueira (PP-PI), expoente do Centrão e denunciado pela Lava Jato, e indicou o desembargador do TRF-1 Kassio Nunes Marques. O Senado, que tinha a possibilidade – ou, melhor dizendo, a obrigação – de consertar o erro, se omitiu e, após uma sabatina tão longa quanto constrangedora, ratificou a escolha, com apenas dez votos contrários.

Bolsonaro anda tão satisfeito com o desempenho de seu indicado que é impossível saber o que teremos em 2021 no Supremo: se um ministro com o perfil de que o país precisa, ou mais um Nunes Marques

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E, em menos de dois meses na cadeira de ministro do STF, Nunes Marques já mostrou a que veio. De meritório, apenas o voto que ajudou a formar maioria de seis votos a cinco contra o reconhecimento de uniões estáveis simultâneas. O restante do seu conjunto da obra até o momento, nos casos mais importantes, consistiu basicamente em votos ou decisões que ignoram a letra explícita da Constituição ou que ajudam a derrubar o bom combate à corrupção.

É um estrago bastante razoável para um período tão curto. Nunes Marques aceitou a tese de reeleição de presidentes da Câmara e do Senado na mesma legislatura (o veto à reeleição de Rodrigo Maia era puramente casuísta, já que o deputado já tinha obtido uma reeleição), felizmente acabando vencido. Mas triunfou em vários outros casos, alinhando-se a Gilmar Mendes e Ricardo Lewandowski para impor derrotas à Lava Jato no Rio de Janeiro; arquivando um inquérito contra um ex-senador; e retirando o depoimento do ex-ministro Antônio Palocci de um dos processos contra o ex-presidente Lula, em uma prévia preocupante do que pode ocorrer quando a suspeição do ex-juiz Sergio Moro voltar à pauta da Segunda Turma. Além disso, Nunes Marques travou a análise de um processo sobre “rachadinhas” que pode criar jurisprudência aplicável às denúncias contra o senador Flávio Bolsonaro. E, na véspera do início do recesso judiciário, simplesmente mandou retirar uma frase da Lei da Ficha Limpa que alterou completamente – para benefício dos corruptos – os prazos de inelegibilidade que o legislador havia definido.

O Palácio do Planalto, no entanto, parece satisfeito, a ponto de Bolsonaro se referir aos críticos da nomeação de Nunes Marques como “direita burra”, “fedelhos” e “imbecis” em uma de suas lives semanais. Acrescentou que, “se eu estivesse no lugar dele, eu teria votado nas três coisas da mesma maneira” (as “três coisas”, no caso, incluíam o voto no caso de Lula e o voto sobre a competência para estabelecer vacinação obrigatória, em que Nunes Marques se alinhou ao governo) e que “eu indiquei para lá por aquilo que eu tenho de afinidade com ele”, mostrando que seus critérios para escolher ministros do Supremo não são exatamente aqueles que a Constituição determina.

Tais manifestações são um péssimo indicador a respeito do que pode ocorrer em julho de 2021, quando Marco Aurélio completa 75 anos. Para apaziguar os críticos da indicação de Nunes Marques, Bolsonaro garantira que o próximo indicado seria, finalmente, um ministro “terrivelmente evangélico”, mas ele já havia feito essa promessa referindo-se ao sucessor de Celso de Mello. A essa altura, impossível saber o que teremos em 2021 no Supremo: se um ministro com o perfil de que o país precisa – avesso ao ativismo judicial, ao estatismo e ao corporativismo, defensor da vida e da família, duro com a ladroagem, guardião e não redator da Constituição – ou um novo Nunes Marques. Um “aproveitamento zero” (dois erros em duas escolhas) em um tema tão importante para o país como é a indicação de ministros do STF seria um legado extremamente destrutivo da passagem de Bolsonaro pela Presidência da República. Que em 2021 ele tenha a sensatez que lhe faltou em 2020 no momento de fazer sua nomeação.

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