Em um curto espaço de tempo, o presidente Jair Bolsonaro ofereceu ao país mais duas demonstrações de como enxerga o trabalho da imprensa no país. Sempre no Twitter, a mídia social que Bolsonaro usa com frequência desde muito antes de ser eleito presidente da República, o presidente compartilhou, no domingo, o conteúdo de um site que distorceu uma entrevista de uma jornalista de O Estado de S.Paulo; no dia seguinte, chamou de “fake news” uma reportagem do jornal Folha de S.Paulo que tratava da nomeação do coronel Didio Campos para a coordenação das mídias sociais do governo. Quando o jornal lembrou que a nomeação havia sido publicada no Diário Oficial, Bolsonaro voltou ao Twitter para se justificar – ao falar em “fake news”, ele estaria se referindo não à nomeação em si, mas à afirmação do jornal de que a contratação ocorreu após “polêmicas” envolvendo postagens do presidente.
O caso envolvendo a jornalista Constança Rezende é bem mais grave que o da nomeação do coronel. Na gravação de uma conversa, em inglês, Constança menciona o caso dos dados do Coaf relativos ao senador Flávio Bolsonaro, vazados para a imprensa, e fala da gravidade da denúncia, que poderia prejudicar o presidente de forma decisiva, até mesmo com um impeachment. O site Terça Livre, incondicionalmente governista, distorceu o relato, dando a entender que a jornalista falava da intenção deliberada de prejudicar o governo e derrubar Bolsonaro; foi esta versão que o presidente comprou e espalhou na noite de domingo, afirmando que Constança “diz querer arruinar a vida de Flávio Bolsonaro e buscar o Impeachment do Presidente Jair Bolsonaro”.
Bolsonaro tem razão de se incomodar com erros cometidos pela imprensa, mas também demonstra pouquíssima tolerância à pluralidade, à crítica e ao contraditório
Ao que tudo indica, o estilo de metralhadora giratória do presidente nas mídias sociais veio para ficar, tirando espaço dos demais canais institucionais de comunicação. Bolsonaro não demonstra intenção de reduzir sua presença no Twitter, e isso não é um problema em si. Afinal, o presidente pode e deve usar a ferramenta para finalidades boas, como a defesa da reforma da Previdência – tema de várias de suas mensagens mais recentes no Twitter – e de outras plataformas relevantes de seu governo; ou para anúncios importantes, como o de obras e leilões de infraestrutura, para ficar em dois exemplos também recentes de postagens de Bolsonaro. O problema ocorre quando o presidente coloca esse estilo a serviço de reações precipitadas e arroubos nada ponderados, que incluem, entre outros temas, visões equivocadas sobre o papel da imprensa e a relação entre jornalismo e governo. Pior ainda quando as mensagens do presidente contribuem para prejudicar a reputação de um profissional, atribuindo-lhe algo que não foi dito.
A ideia de um presidente cercado por uma imprensa monolítica interessada não em reportar o seu governo, mas em fazer-lhe oposição política não é exclusiva de Bolsonaro – a inspiração vem dos Estados Unidos de Donald Trump, que também trata o jornalismo na base da generalização e vem trabalhando para desmoralizar o trabalho da imprensa como um todo, em vez de apontar erros específicos. Bolsonaro tem motivos para se queixar, por exemplo, da denúncia inconsistente feita ainda durante a campanha, envolvendo o envio de mensagens por WhatsApp; ou quando jornais criam celeumas injustificadas, amplificando desnecessariamente declarações do presidente ou de seus ministros ou criticando ações sem dar seu contexto – caso dos ataques ao indicador escolhido para o reajuste do salário mínimo assinado nos primeiros dias de governo, e que apenas seguia uma regra estabelecida por Dilma Rousseff.
Leia também: A importância de uma imprensa plural (editorial de 23 de outubro de 2018)
Carlos Alberto Di Franco: A imprensa e Bolsonaro (10 de fevereiro de 2019)
Mas há um oceano de distância entre a legítima divergência de opinião – que inclui a crítica, mesmo quando mais dura ou contundente – e um erro ou distorção em matéria jornalística. Bolsonaro se incomoda com esses erros, e tem razão, mas também demonstra pouquíssima tolerância à pluralidade, à crítica e ao contraditório, desconhecendo a importância do jornalismo independente, que elogia o que considera louvável, mas também critica o que julga ser merecedor de reprovação, sem deixar de reportar os fatos relevantes, positivos ou negativos que envolvem o governo. Se Bolsonaro tivesse uma noção mais democrática a respeito do trabalho da imprensa, muito provavelmente não teria compartilhado o conteúdo distorcido sobre a jornalista Constança Rezende; teria recorrido a outros meios, inclusive o contato direto com o veículo onde a repórter trabalha.
Ainda que Bolsonaro não queira mudar o seu estilo de comunicação, precisa, sim, melhorar sua compreensão a respeito da importância da pluralidade de ideias, e de como essa pluralidade se reflete no trabalho jornalístico. Precisa, também, ter a coragem e a humildade de admitir seus erros, mesmo os movidos por boa fé ou por uma indignação justa. No caso concreto, Bolsonaro errou ao compartilhar justamente aquilo que condena na grande imprensa – informações que foram distorcidas com o objetivo de destruir uma reputação –, e tem de se retratar. Por fim, ele precisa compreender que o país tem prioridades, especialmente no campo econômico, que pedem sua atenção e sua liderança, sem distrações nocivas como a construção de um clima vitimista e beligerante, motivado por convicções pouco democráticas sobre o papel da imprensa.
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