O presidente Jair Bolsonaro fará muito bem se aceitar o convite dos governadores João Doria, Wilson Witzel e Eduardo Leite – respectivamente, de São Paulo, Rio de Janeiro e Rio Grande do Sul – para participar do Fórum de Governadores, marcado para 14 de abril. Não se trata simplesmente de aparar arestas deixadas por episódios recentes envolvendo os chefes do Executivo federal e dos Executivos estaduais, mas de todos compreenderem que o novo momento do país, em que há uma oportunidade de avançar em um novo pacto federativo, pede a cooperação entre todas as forças políticas, e nem o presidente da República, nem os governadores podem fugir do diálogo.
Os atritos se intensificaram no início deste mês, quando, diante das recentes polêmicas sobre o preço dos combustíveis, Bolsonaro propôs mudanças na cobrança do ICMS, imposto estadual e que representa parte significativa da arrecadação de estados e do Distrito Federal. Em resposta, 22 governadores assinaram carta pedindo que fosse a União a reduzir a tributação sobre os combustíveis. No fim, Bolsonaro lançou uma espécie de desafio: “Eu zero [o imposto] federal, se eles zerarem o ICMS [dos combustíveis]. Está feito o desafio aqui, agora. Eu zero o federal hoje, eles zeram o ICMS”. Uma sugestão puramente retórica, porque ninguém estava realmente disposto a reduzir alíquotas, esperando apenas que a bondade viesse do outro lado – a União, no caso dos estados, e vice-versa –, e porque, mesmo que houvesse algum mandatário interessado em reduzir os impostos que cobra, a queda na arrecadação levaria a violações das leis que regem a responsabilidade fiscal de estados e da União.
Há uma série de temas que unem o Planalto e os governos estaduais; é preciso superar os ataques mútuos, as desavenças ideológicas e os cálculos eleitorais
A gota d’água, para os governadores, foram as críticas de Bolsonaro à atuação da Polícia Militar da Bahia – estado governado pelo petista Rui Costa – na ação que terminou com a morte do miliciano Adriano Magalhães da Nóbrega, suspeito de envolvimento no assassinato da vereadora carioca Marielle Franco e do motorista Anderson Gomes. Na sequência, 20 governadores assinaram carta afirmando que as atitudes do presidente da República “não contribuem para a evolução da democracia no Brasil” e convidando-o para a reunião do dia 14 de abril – o mesmo convite reforçado agora pelos governadores Doria, Witzel e Leite.
É verdade que, entre os signatários, há vários adversários ideológicos de Bolsonaro, como os governadores de partidos de esquerda; além disso, outros, como os próprios Doria e Witzel, já demonstraram a intenção de enfrentar Bolsonaro na disputa pelo Palácio do Planalto em 2022. Mas não é possível ler a carta apenas como uma tentativa de desmoralizar o presidente da República com propósitos ideológicos ou eleitorais, apesar de algumas expressões mais exageradas. Mesmo governadores aliados do presidente assinaram o texto, que pede “equilíbrio, sensatez e diálogo”.
Em breve, o Congresso analisará a reforma tributária, um tema delicadíssimo para os estados, especialmente graças à proposta de unificação de tributos, incluindo o ICMS. Além disso, o governo federal também já enviou ao Legislativo textos como o projeto de lei do Plano Mansueto, que institui novos mecanismos de auxílio a estados em dificuldades financeiras, e as PECs Emergencial e do Pacto Federativo, que também dão a governadores ferramentas adicionais para equilibrar as contas em caso de crise fiscal. São pautas que unem o Planalto e os governos estaduais, como também o foi a reforma da Previdência – basta lembrar que mesmo governadores de esquerda, cujos partidos discursavam no Congresso contra as mudanças, vêm propondo e aprovando reformas similares para o funcionalismo de seus estados, já que a matemática não faz distinção entre tendências políticas.
No fim, que vença a promessa de “mais Brasil e menos Brasília”, feita ainda durante a campanha de 2018. Bolsonaro e os governadores precisam superar os ataques mútuos, as desavenças ideológicas e os cálculos eleitorais, trabalhando para que o slogan se transforme em realidade, pela aprovação das reformas no Congresso. Na verdade, nem seria preciso esperar até 14 de abril para que haja uma conciliação – com as reformas iniciando ou continuando sua tramitação nos próximos dias, a convergência tem de vir bem antes da data marcada para o encontro de governadores.