Para efeitos de ajuste fiscal, 2020 já estava dado como perdido desde que os efeitos econômicos das medidas de combate à Covid-19 se mostraram em toda a sua intensidade, levando governo e Congresso a concordar que era preciso gastar o quanto fosse necessário para atenuar a quebradeira de negócios e o aumento do desemprego e da pobreza. Foram criadas diversas despesas, seja na forma de repasse direto, como o auxílio emergencial, seja indiretamente, como a contrapartida do Tesouro para aqueles que tiveram seus salários reduzidos ou contratos de trabalho suspensos. Outras medidas, infelizmente, não tiveram a mesma eficácia, caso do crédito específico para bancar a folha de pagamento, represado nos bancos. Tudo isso terá um custo na casa das centenas de bilhões de reais, ampliando o já habitual déficit primário brasileiro.
Há quem queira ver a gastança sem limites fazendo parte do chamado “novo normal”, uma vez vencida a pandemia. E para isso o alvo mais óbvio é o teto de gastos, a primeira reforma econômica importante realizada no Brasil após o colapso que o lulopetismo legou ao país, e que impede o governo de aumentar suas despesas totais em ritmo superior ao da inflação de um ano para outro. E os “fura-teto” não se encontram apenas na esquerda; eles também estão dentro do próprio governo, eleito com uma pauta liberal de enxugamento do Estado, mas que abriga uma ala dita “desenvolvimentista”, que ainda prioriza o gasto estatal como motor da economia. Era a eles que o ministro da Economia, Paulo Guedes, se referiu na terça-feira, dia 11, quando disse que “os conselheiros do presidente que estão aconselhando a pular a cerca e furar teto vão levar o presidente para uma zona sombria, uma zona de impeachment, de irresponsabilidade fiscal”.
Ao conter a expansão desenfreada da despesa governamental, o teto de gastos também serve como uma fundação sobre a qual será possível erguer um edifício sólido de reformas do Estado brasileiro
O embate entre os reformistas liberais e os defensores do gasto público já rendeu diversos episódios, dos quais o mais ruidoso foi o lançamento do Pró-Brasil. E, se de um lado há Paulo Guedes, do outro também há ministros que se destacam por um bom trabalho, como Tarcísio de Freitas, da Infraestrutura. Como em tantos outros casos ocorridos neste governo envolvendo outros ministros importantes e talentosos, também aqui, no fim das contas, o que vai prevalecer é a vontade de Jair Bolsonaro. A saída de dois importantes secretários da equipe de Guedes foi um péssimo sinal, apontando para uma perda de fôlego e de prestígio do reformismo e da responsabilidade fiscal. Em seu texto de despedida, Salim Mattar, até então responsável pelas privatizações, deixou claro que a estrutura do Estado não quer ser reformada nem enxugada. Bolsonaro se elegeu prometendo reformar e enxugar e colocou na Economia uma equipe disposta a isso; mas também foi o presidente quem escolheu e mantém na Esplanada a ala militar e os “desenvolvimentistas”. Que lado ele irá escolher?
Com as suspeitas crescentes no mercado financeiro sobre o futuro da pauta liberal, Bolsonaro se apressou em tentar acalmar investidores. Publicou mensagem nas mídias sociais após a saída dos secretários Mattar e Paulo Uebel, e no fim da tarde de quarta-feira, dia 12, fez pronunciamento ao lado de vários ministros e dos presidentes da Câmara e do Senado. “Nós respeitamos o teto dos gastos, queremos a responsabilidade fiscal, e o Brasil tem como realmente ser um daqueles países que melhor reagirá à questão da crise”, afirmou. Rodrigo Maia (DEM-RJ) e Davi Alcolumbre (DEM-AP) foram no mesmo tom, repetindo o que já haviam dito em outras ocasiões.
Mas, como acabamos de afirmar neste espaço, apenas palavras não bastarão em um momento crucial para o futuro econômico do país. O que Bolsonaro diz agora tem de ser respaldado por ações concretas. O governo enviará em breve sua proposta orçamentária para 2021, e será preciso observar não apenas a peça inicial, mas como o Planalto conduzirá as discussões no Congresso e se fará concessões à gastança durante a tramitação. Infelizmente, outra ação que mostraria o compromisso de Bolsonaro com a agenda liberal, a reforma administrativa, deve mesmo ficar para o ano que vem, apesar de Maia ter afirmado que a colocaria para andar na Câmara caso recebesse o texto ainda neste ano. Outro item que só será retomado em 2021 é o programa de privatizações, que terá de recuperar muito tempo perdido.
Parece evidente que as pretensões de Bolsonaro em 2022 também serão levadas em conta nesta escolha entre a austeridade e a gastança. O aumento de popularidade que o presidente vem colhendo como resultado de algumas políticas de combate aos efeitos da pandemia baseadas na expansão da despesa soa tentador. Mas até mesmo o cálculo puramente eleitoral recomendaria o lado da responsabilidade fiscal. Sem ela, não haverá retomada em “V” como afirma Paulo Guedes – na verdade, talvez não haja retomada alguma, já que a falta de confiança na capacidade brasileira de realizar as reformas vai afastar completamente o investidor, disparando mais uma vez o ciclo de mazelas econômicas que o país viveu no segundo mandato de Dilma e que estava quase superado quando veio o coronavírus. Que dividendo eleitoral Bolsonaro espera ter se em 2022 o país estiver se arrastando graças à mesma irresponsabilidade que o petismo trouxe ao Brasil e que era repudiada por boa parte dos que elegeram o presidente em 2018?
Que Bolsonaro não se engane, nem se deixe enganar pelo canto de sereia de quem deseja abandonar o teto de gastos, seja mudando explicitamente a regra, seja burlando-a. Ao conter a expansão desenfreada da despesa governamental, o teto também serve como uma fundação sobre a qual será possível erguer um edifício sólido de reformas do Estado brasileiro, mais enxuto, mais eficiente, mais confiável, que sirva ao país e não a si mesmo.
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