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Em poucos dias, Jair Bolsonaro comemorou suspensão de testes com vacina Coronavac e afirmou que o Brasil tinha que deixar de ser “um país de maricas” e encarar de frente a pandemia.| Foto: Presidência da República

A semana passada trouxe notícias importantes sobre a busca de uma vacina contra a Covid-19. No dia 9, a Pfizer e a BioNTech anunciaram que sua vacina registrou 90% de eficácia, de acordo com os primeiros dados da terceira fase de testes. No mesmo dia, a Anvisa ordenou a suspensão dos testes da Coronavac, vacina contra o coronavírus desenvolvida por um laboratório chinês, após um “evento adverso grave” que, soube-se depois, era a morte de um dos voluntários durante os testes no Brasil. Os testes foram retomados dois dias depois, após notícias de que a morte havia sido causada por suicídio.

Suspensões de teste são a reação padrão diante de qualquer situação como essa, e a vacina da Universidade de Oxford (a aposta do governo federal) também teve testes suspensos quando um voluntário britânico apresentou uma inflamação da medula espinhal, já revertida. Nestes casos, realiza-se uma investigação para apurar a possível ligação entre a vacina e a reação. Mas o presidente Jair Bolsonaro não esperou até que isso ocorresse para escrever, em suas mídias sociais, que a suspensão representava “mais uma que Jair Bolsonaro ganha”.

Quando alguma alternativa promissora para erradicar a Covid-19 falha, não há vencedores. O país inteiro está perdendo, e continuará perdendo enquanto não houver vacina

A busca da vacina contra a Covid-19 tem lá suas controvérsias. Não são poucos os que suspeitam da Coronavac graças à sua origem – afinal, a China é o nascedouro da pandemia e contribuiu para ela se tornar ainda mais grave, quando a ditadura que governa o país escondeu dados e perseguiu médicos que tentaram alertar o mundo sobre o novo vírus que surgia. Além disso, há a discussão sobre a possibilidade de obrigatoriedade da aplicação da vacina, assim que algum imunizante for devidamente aprovado e certificado pela Anvisa – um processo pelo qual toda vacina terá de passar, seja a Coronavac, seja a de Oxford, seja a da Pfizer, seja a russa Sputnik V, seja qualquer outra das dezenas que estão sendo testadas. Bolsonaro já se mostrou contrário à obrigação de se vacinar, enquanto há governadores favoráveis.

Mas, na situação atual, em que a pandemia ainda não está sob controle e em que países da Europa experimentam um novo aumento no número de casos, a vacina – desde que, reforçamos, devidamente testada, aprovada, comprovada como meio eficaz e seguro de impedir o contágio, e certificada pela autoridade sanitária – é a melhor esperança que podemos ter. Quando alguma alternativa promissora para erradicar a Covid-19 falha, não há vencedores. O país inteiro está perdendo, e continuará perdendo enquanto não houver vacina.

Mais de 160 mil brasileiros já perderam a vida. São dezenas de milhares de famílias que perderam parentes, centenas de milhares de brasileiros que já perderam amigos. Entre os que sobreviveram ao coronavírus há quem tenha perdido capacidade pulmonar, sem falar de outras sequelas que a comunidade médica continua pesquisando, como anomalias cardíacas e insuficiência renal, já que o vírus era desconhecido e sua ação no corpo humano continua a ser um mistério em muitos sentidos.

Além das perdas sanitárias, há as perdas econômicas. O país vai perder algo em torno de 5% de seu PIB em 2020, uma perda gigante que é a soma de inúmeras perdas Brasil afora. Centenas de milhares de empresários perderam seus negócios – entre março e julho de 2020, 716 mil empresas, a maioria delas de pequeno porte, fecharam as portas segundo a pesquisa Pulso Empresa, do IBGE. Milhões de brasileiros perderam seus empregos e sua renda, uma perda que o auxílio emergencial mitiga, mas não anula. Os mais pobres, que não têm como economizar, perdem poder de compra com o aumento dos preços dos alimentos, que sobem acima da média da inflação oficial.

E, por fim, o brasileiro está perdendo de várias outras formas. Há a perda cognitiva das crianças, adolescentes e jovens que estão sem aulas, deixados para trás com as escolas fechadas. Há a perda de saúde mental, especialmente daqueles que estão vivendo um isolamento mais intenso ou dos que estão na linha de frente do combate à pandemia, mas que também atinge muitas outras pessoas, vítimas do medo, da ansiedade, do estresse de uma situação para a qual ainda não se vislumbra solução.

O presidente, quando fala da pandemia, demonstra sua grande preocupação com os efeitos econômicos da doença e das restrições impostas para conter sua propagação. Mas, quando diz que “ganhou” com a suspensão dos testes de uma vacina, coloca o seu próprio interesse – já que o principal defensor da Coronavac, o governador paulista João Doria, é seu adversário político – em primeiro lugar, deixando em segundo plano os potenciais benefícios que a aprovação de um imunizante teria para acabar com todas as perdas que descrevemos acima. Ter razão e desmoralizar um adversário político não pode ser mais importante que o fim da pandemia.

A população precisa sentir que seu presidente está a seu lado e compreende os seus problemas; em vez disso, o presidente trata brasileiros como covardes e parece interessado apenas no ganho pessoal de cada episódio relacionado à doença

E a preocupação com os desempregados e os que perderam seus negócios não vem acompanhada, no discurso de Bolsonaro, pela demonstração de solidariedade para com os que sofrem com a doença. Afirmar “lamento as mortes, mas todo mundo vai morrer um dia” em nada serve de consolo para quem perdeu um familiar ou amigo para a Covid – e mesmo os apoiadores do presidente hão de concordar que, diante do falecimento de uma pessoa próxima, por qualquer motivo, ouvir de alguém “sinto muito pela sua perda, mas todos vão morrer um dia” não seria uma expressão adequada de pêsames.

O mesmo se aplica à afirmação de que o Brasil “tem de deixar de ser um país de maricas”. Bolsonaro pode até imaginar que a expressão possa servir de impulso para encorajar a população, e talvez esse tipo de recurso retórico funcione no ambiente militar de onde ele é oriundo, mas ela não cai bem nos ouvidos dos que têm uma preocupação muito justa com a doença. Todos, apoiadores ou não do presidente, estão se esforçando para não se contaminar; se contraíram a doença, se esforçam para que seu organismo vença o vírus; há o esforço dos profissionais da linha de frente no campo da saúde, e o esforço de todos os outros profissionais que mantêm funcionando serviços importantes e que seguem produzindo. Em tudo isso há apreensão, mas também há luta e bravura.

Em um momento tão complicado como este, a população precisa sentir que seu presidente está a seu lado e compreende os seus problemas; empatia com os liderados é uma característica de um bom líder. Em vez disso, o presidente trata como covardia a preocupação de dezenas de milhões de brasileiros e parece interessado apenas no ganho pessoal que pode obter em cada episódio relacionado à doença. Apenas se começar a enxergar cada ação, cada pesquisa, cada medida pelo que ele realmente representa, se aproxima ou afasta o país do fim da pandemia, Bolsonaro conseguirá incentivar os brasileiros a vencer o coronavírus.

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