O Brasil acordou na quinta-feira com uma cena que deveria fazer parte do nosso cotidiano político, mas que tem se tornado cada vez mais rara. Em reunião conjunta com os governadores, os presidentes da Câmara e do Senado, Jair Bolsonaro liderou a construção de um consenso sobre o socorro a estados e municípios brasileiros, incluindo as contrapartidas necessárias em termos de ajustes do funcionalismo público.
A ideia de congelar salários do funcionalismo por 18 meses é o mínimo que se espera em troca de ajuda de bilhões de reais para que governadores e prefeitos possam lidar com o período de crise. Ela reflete não só um esforço em prol da responsabilidade fiscal, mas um ato de justiça, em face dos milhões de empregos e salários que vêm sendo ceifados pela pandemia na iniciativa privada.
O coronavírus, ao contrário do que muitos economistas apontam, talvez possa não ser considerado um “cisne negro”. O termo, cunhado por Nassim Nicholas Taleb para descrever eventos raros, imprevisíveis e catastróficos, não se encaixa para descrever a situação presente. Afinal, a humanidade tem convivido com pandemias por séculos e não se pode dizer que o aparecimento de uma cujo potencial destrutivo corre na frente da ciência médica seja algo propriamente inesperado. Na verdade, a Covid-19 se assemelha muito mais àquilo que se denomina “rinoceronte cinza”, um evento visível, altamente provável, chegando até nós rapidamente, com impacto potencial devastador. O que ele expôs são sistemas pouco capazes de lidar com o risco relacionado a eventos de probabilidade remota, mas que contribuem mais para resultados significativos, por precipitarem reações em cadeia.
Ao segurar, mesmo que por alguns dias, o congelamento dos salários do funcionalismo, Bolsonaro faz uma triste e lamentável concessão final ao corporativismo
A imaturidade em gerenciar riscos agora cobra seu preço, de empresas e governos no mundo inteiro. O problema é que estes últimos muitas vezes condicionam o ambiente sobre as quais as primeiras se estabelecem. Decisões de investimentos focadas em reduzir riscos sofrem impacto direto de ambientes regulatórios engessados. Em outras palavras, o que adianta colocar os ovos em vários cestos diferentes para reduzir impactos se todos os cestos estiverem no Titanic?
Infelizmente, os políticos brasileiros pareceram continuar sem entender essas lições básicas de prudência, quando o Congresso desidratou a contrapartida do funcionalismo. E isso ocorreu com anuência da base aliada do governo e do próprio Bolsonaro, que colaborou ativamente para que diversas categorias fossem excluídas do congelamento, a despeito dos apelos da equipe econômica do governo. Mais uma vez, o corporativismo falou mais alto, mas na pior hora possível.
Nos dias seguintes, pressionado interna e externamente, o presidente da República demonstrou apoio público às exigências do Ministro da Economia em torno da importância da contrapartida. Falando ao lado de Paulo Guedes em diversas situações, Bolsonaro prometeu vetar os mesmos trechos cuja inclusão antes havia incentivado. A decisão deveria ter vindo até o último dia 13, mas o presidente recuou mais uma vez, colocando a necessidade de acertar ponteiros com governadores e presidentes das duas casas do Legislativo.
A demora expôs o sistema político à sanha irresponsável de vários governadores e prefeitos, que correram para aprovar aumentos a toque de caixa, antes que o tema fosse objeto de regulação. Ao mesmo tempo que secretários de Fazenda de todos os estados e do Distrito Federal assinavam carta pedindo ao presidente a sanção do pacote de ajuda, sob alegação que o dinheiro estava fazendo falta para atender às demandas crescentes por intervenção estatal, legisladores e governantes ignoravam a falta de dinheiro, reajustando salários do funcionalismo.
A incongruência saltou aos olhos e deixou de calças nas mãos a classe política nacional, diante de uma população cada dia mais desamparada e impedida de produzir economicamente – graças, justamente, às medidas restritivas impostas por esses mesmos governantes.
O veto, como a situação provou, é medida mais do que necessária. Talvez nem precisássemos estar debatendo o tema se o próprio presidente não tivesse agido ao arrepio da equipe econômica, manobrando em favor do “descongelamento” na Câmara. Nesse cenário, diante da pressa de vários governantes em propor e aprovar reajustes, a demora em exercer logo o poder de veto só terá feito algum sentido diante de um esforço real para costurar sua manutenção no Congresso, o que ocorreu nesta quinta-feira, quando Bolsonaro finalmente demonstrou capacidade de liderar a construção de um consenso mínimo para a viabilização do funcionamento do Estado brasileiro.
E, se a costura já está feita, o que o presidente está esperando, então? O veto já podia ter sido formalizado, atendendo ao pedido dos governadores, que afirmaram precisar do dinheiro o quanto antes. Tudo indica, no entanto, que o presidente vai aproveitar o prazo legal – ele tem até o dia 27 para sancionar ou vetar o pacote de socorro a estados e municípios – para que antes os policiais e bombeiros do Distrito Federal tenham garantido seu reajuste, aprovado pelo Congresso. Além disso, o próprio Bolsonaro afirmou, diante do Palácio do Alvorada, que aguarda a convocação de aprovados em concursos da PF e da Polícia Rodoviária Federal, que estaria proibida se o pacote já estivesse em vigor. Uma triste e lamentável concessão final ao corporativismo da parte daquele que deveria estar dando o exemplo a governadores e Assembleias Legislativas país afora.
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