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Uma sina que parece perseguir o Brasil é a tendência a jogar fora as oportunidades. Estudiosos sobre desenvolvimento econômico afirmam que, no período posterior à Segunda Guerra Mundial até o fim dos anos 1980, o Brasil desperdiçou duas oportunidades de se tornar um país rico, seguiu com baixa renda per capita e elevado índice de miséria e pobreza, mesmo com abundância de importantes recursos naturais. A primeira oportunidade perdida começou no governo de Juscelino Kubitschek (1956-1961), cujo plano “50 anos em 5” tinha o crescimento acelerado do Produto Interno Bruto (PIB) como ideia central, considerada por alguns como megalomania sem base na realidade dos fatos.
Entre os feitos do governo JK estão a implantação da indústria automobilística, a construção de Brasília e a ampliação da malha rodoviária. Independentemente dos méritos e vícios desses feitos, JK falava no sonho de um Brasil gigante como centro de sua estratégia política. Porém, logo nos governos seguintes, de Jânio Quadros e João Goulart, o Brasil foi atacado por altas taxas de inflação, que os economistas ortodoxos atribuíam às elevadas emissões de moeda a taxas acima do crescimento do PIB. Essas emissões de dinheiro seriam decorrentes dos elevados gastos com a construção de Brasília e com o plano de obras do governo.
Atualmente, vislumbra-se uma quarta oportunidade para, nas próximas três décadas, o Brasil conseguir ao menos passar dos US$ 20 mil de renda anual por habitante.
Como é recorrente na história mundial, a elevada inflação desmonta qualquer plano de estabilidade, crescimento econômico e desenvolvimento social. Juscelino não era um estudioso de economia nem demonstrava apreço pelas restrições econômicas, além de acreditar que a emissão de dinheiro para pagar obras públicas não teria efeito inflacionário, tese para a qual JK não apresentava justificativa técnica. O presidente também não dava atenção aos déficits públicos bancados com emissão de dinheiro, por entender que isso não era um problema tão grave quanto afirmavam economistas do governo, como o ministro da Fazenda, Lucas Lopes.
A inflação veio e, quando se instalou o regime militar, com o governo Castelo Branco, em 1964, a taxa anual de aumento de preços estava em 92%, ameaçando disparar para uma hiperinflação. Naquele momento, a inflação viria a ser debelada com um duro programa de austeridade e reformas econômicas, pilotado pela dupla Roberto Campos (ministro do Planejamento) e Otávio Gouveia de Bulhões (ministro da Fazenda). Nos meses mais duros do combate à inflação, o crescimento econômico foi prejudicado, e a primeira oportunidade foi desperdiçada.
Passaram-se alguns anos e, com a inflação controlada, o Brasil retornava à ideia de conseguir crescimento econômico a taxas elevadas, objetivo consubstanciado no Plano Nacional de Desenvolvimento (PND I), no período de 1972 a 1974. Tecnicamente, o plano tinha méritos, porém, já em 1973 o mundo foi perturbado pela explosão da primeira grande crise do petróleo, quando os preços internacionais saltaram de US$ 3 ou US$ 4 para US$ 14 o barril. Duas crises se instalaram rapidamente no mundo, com grande recessão e elevação do endividamento dos países importadores de petróleo, como era o caso do Brasil.
Para se ajustar à nova realidade, o governo brasileiro lançou o PND II, para o período de 1975 a 1979, mas novamente os preços do petróleo explodiram, saindo de US$ 14 para US$ 28 o barril, e o Brasil, que pretendia ingressar no clube dos países ricos, novamente entrou em crise, desta vez sofrendo os efeitos da estranha doença chamada “estagflação”, que é a combinação de elevada inflação, estagnação do PIB e elevado desemprego. Uma das razões pelas quais o Brasil sofreu com as duas crises do petróleo é que o país não fez ajustes já em 1973 e 1974 para adequar o ritmo de expansão da economia local à crise do petróleo, reduzir as importações e evitar que o país caminhasse para a explosão de sua dívida externa.
Com as duas crises do petróleo e o não ajuste da economia brasileira, foi-se embora a segunda oportunidade para o país crescer, desenvolver-se e superar a pobreza e a miséria. Muitos países aproveitaram a onda de oportunidades de crescimento que adentrou os anos 1980, quando o mundo passou a combater o excesso de estatização e a intervenção econômica, e ensaiava o processo de globalização que prosseguiu nos anos 1990 e 2000.
O Brasil viveu longos períodos de inflação elevada, desde 1974 até 1994, desperdiçando oportunidades enquanto boa parte do mundo crescia, até que, em 1994, foi lançado o Plano Real, e a doença da inflação começou a ser extirpada. Ali se apresentava a terceira grande oportunidade para o Brasil superar de vez sua condição de país pobre, com altos índices de miséria, violência e graves problemas sociais. Essa terceira chance veio com um fator positivo sobre o qual o país precisaria prestar atenção: o chamado “bônus demográfico”, que existe quando o número de pessoas em condições de trabalhar é maior que o número de crianças e idosos.
Esse bônus deve ser aproveitado para fazer o país crescer, pois, dado o envelhecimento da população e a diminuição do número de filhos por mulher, a pirâmide populacional muda rapidamente, fazendo que a equação se inverta e o número de pessoas em idade de trabalhar se torne menor que a população somada de crianças e idosos. Para muitos analistas, essa terceira grande chance poderia ser a última, já que o mundo não conhece nenhum país que enriqueceu depois de envelhecer. O êxito do Plano Real trazia em seu interior um risco para o qual alguns economistas chamavam a atenção, que era o risco de o país, sentado sobre o sucesso do Plano Real, desenvolver a cultura da complacência, isto é, a crença de que a reconquista da autoconfiança e o bom crescimento econômico seriam suficientes para garantir o sucesso.
Apesar de dispor do bônus demográfico, e considerando o êxito no controle da inflação e alguns bons ajustes na economia, a exemplo do saneamento do sistema bancário com a privatização de quase três dezenas de bancos estatais, o Brasil não conseguiu crescer de forma consistente em todos os anos e, nos períodos em que cresceu, as taxas líquidas (aumento do PIB menos a taxa de aumento populacional) não foram elevadas.
Mais uma oportunidade foi perdida, a terceira, pois a complacência veio em forma de crises políticas, recessão provocada por incompetência do governo – como foi o caso da grave recessão de 2015-2016 sob o comando de Dilma Rousseff –, oscilação na gestão da política fiscal, crescimento exagerado da máquina estatal, baixa produtividade dos gastos públicos, ausência de reformas estruturais, baixa taxa de poupança nacional para financiar o investimento em capital físico, indecisão quanto à abertura ao exterior, descaso com a absorção de tecnologia estrangeira e com o aumento da produtividade econômica, além da eterna insegurança jurídica e baixa confiança do investidor nacional e estrangeiro nas instituições.
Atualmente, já indo para a segunda metade da terceira década do século 21, vislumbra-se uma quarta oportunidade para, nas próximas três décadas, o Brasil conseguir, mesmo sem chegar ao grupo dos países desenvolvidos, ao menos passar dos US$ 20 mil de renda por habitante para, ainda continuando no grupo dos não desenvolvidos, conseguir reduzir os atuais índices de pobreza, miséria e violência social. Eis aí um grande desafio.