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Editorial

O Brasil prestes a abraçar ditadores mais uma vez

Lula com Hugo Chávez e Nicolás Maduro, em Manaus, em setembro de 2007: membro da equipe de transição deixou claro na semana passada o que já vinha sendo sinalizado pelo PT. (Foto: EFE/Raimundo Valentim)

Uma das linhas-mestras da atuação internacional do Brasil entre 2003 e 2016, na passagem do petismo pela Presidência da República, foi o alinhamento incondicional com o que havia (e ainda há) de pior na América Latina, como as ditaduras cubana e venezuelana e outros ensaios de autocracia esquerdistas. Com a chave do cofre nas mãos, o petismo foi além da camaradagem ideológica e passou para negócios que iam do questionável ao condenável. Com a ditadura cubana, o governo petista celebrou o financiamento bilionário para o Porto de Mariel e criou o Mais Médicos, uma forma de bancar Havana usando como argumento a escassez de médicos em certas regiões do Brasil. A aliança com o chavismo venezuelano resultou em casos como o da refinaria Abreu e Lima, que terminou em calote bolivariano. Para a Bolívia de Evo Morales, Lula entregou de mão beijada instalações da Petrobras, algo que o próprio petista admitiu.

Com o impeachment de Dilma Rousseff, em 2016, o Brasil reordenou sua política externa, mas o PT manteve seu apoio entusiasmado às ditaduras latino-americanas, às quais se juntou a Nicarágua de Daniel Ortega. E, com a volta iminente de Lula ao poder, o partido terá uma nova chance para transformar o Itamaraty e outros órgãos, como o BNDES, em serviçais do Foro de São Paulo. E uma das primeiras atitudes que o novo governo deve tomar, a julgar pelas declarações de parlamentares petistas como o deputado federal reeleito Paulo Pimenta (RS), será um golpe mortal nas esperanças dos democratas venezuelanos: o reconhecimento do ditador Nicolás Maduro como presidente da Venezuela, abandonando o presidente interino Juan Guaidó.

Com a volta iminente de Lula ao poder, o PT terá uma nova chance para transformar o Itamaraty e outros órgãos, como o BNDES, em serviçais do Foro de São Paulo

É preciso lembrar que, se Maduro ainda detém o poder de fato, especialmente por ter em sua mão as forças de segurança – as oficiais e as paramilitares –, ele não é o presidente de direito desde janeiro de 2019; no ano anterior, ele havia “vencido” uma eleição fraudulenta e nada livre, cujos resultados não foram reconhecidos por boa parte da comunidade internacional. Na ausência de um mandatário legítimo, a Constituição venezuelana atribui o cargo de forma interina ao presidente da Assembleia Nacional; foi o que Guaidó fez ao proclamar-se presidente interino do país, sendo imediatamente reconhecido pelos Estados Unidos, pela União Europeia, pelo Brasil e por entidades como a Organização dos Estados Americanos (OEA).

A legislatura eleita em 2015, no entanto, se encerraria em 2021, sendo substituída por parlamentares eleitos em 2020; mas este pleito se deu em condições ainda mais escandalosas que a “reeleição” de Maduro, e também não foi reconhecido pelas democracias mundo afora. Restou à Assembleia Nacional legítima, aquela eleita em 2015, prorrogar excepcionalmente o próprio mandato, a única solução possível enquanto a Venezuela não pudesse ter novas eleições livres. Os Estados Unidos – já sob a presidência de Joe Biden – e o Brasil continuaram a reconhecer Guaidó como presidente legítimo; a União Europeia não reconheceu a prorrogação do mandato dos parlamentares eleitos em 2015, mas também não endossou o resultado da farsa eleitoral de 2020.

Cada vitória eleitoral da esquerda na América Latina enfraquece o Grupo de Lima, criado em 2017 para tentar encontrar uma solução democrática para a Venezuela, e fortalece a ditadura de Maduro. Argentina e Peru já deixaram a entidade; outros países ainda o integram, mas já não reconhecem Guaidó como presidente – é o caso de Bolívia e México. Mais recentemente, o novo presidente da Colômbia, Gustavo Petro, se encontrou com Maduro. Apenas o Chile de Gabriel Boric ainda mantém uma linha de pressão sobre o ditador, a ponto de ter se aliado ao Brasil em outubro para patrocinar uma resolução no Conselho de Direitos Humanos da ONU condenando Maduro pela repressão às forças democráticas e ampliando o mandato da comissão que investiga violações de direitos humanos cometidas pela ditadura bolivariana.

Mas, com a troca de governo em Brasília, os democratas venezuelanos perderão seu aliado de mais peso na América Latina. As perspectivas de uma solução que devolva a democracia à Venezuela ficarão ainda mais distantes quando o maior vizinho do país abandonar seu governante legítimo para abraçar um ditador que não hesita em sacrificar seu povo para se manter no poder. E, mais uma vez, quem se iludiu ou quis se iludir com o conto de fadas de um Lula “democrata” terá um choque de realidade ao ver, novamente, um chefe de Estado brasileiro e seu aparato diplomático apoiando regimes que perseguem, calam, agridem e matam quem pede democracia.

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