A tradicional escrita de dezembro, quando o tema é o mercado de trabalho formal, felizmente não se repetiu em 2020. O último mês do ano normalmente registra centenas de milhares de demissões a mais que contratações, mas no ano passado esse número foi bem menor: o saldo negativo foi de quase 68 mil postos de trabalho fechados, segundo o Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (Caged), cumprindo a expectativa otimista de Paulo Guedes. Um mês atrás, ele dizia acreditar que o Brasil terminaria o ano com mais contratações que demissões, e isso de fato ocorreu: apesar da pandemia e do estrago que ela fez na economia, foram 142.690 postos de trabalho com carteira assinada criados no ano.
Um saldo positivo era algo difícil de imaginar nos primeiros meses da pandemia, quando as medidas restritivas foram mais intensas país afora: de março a junho, houve o corte de 1,6 milhão de postos de trabalho formais. A recuperação começou em julho, e alguns meses chegaram a registrar recordes na geração de emprego com carteira assinada; as quase 400 mil vagas criadas em novembro devolveram o saldo do ano ao campo positivo, com sobra suficiente para acomodar o número negativo de dezembro e mesmo assim fechar 2020 com motivos para otimismo.
Apenas o BEm não irá bastar, especialmente no caso de a atividade econômica passar por novos solavancos devido ao coronavírus. Ele é importante na manutenção de empregos, mas a geração de vagas exige outras medidas
Isso só foi possível por uma combinação de fatores. O primeiro deles foi ressaltado pelo secretário Bruno Bianco, de Previdência e Trabalho: a economia está, de fato, em processo de recuperação, o que naturalmente leva a mais contratações. O segundo foi exaltado pelo ministro Paulo Guedes: o Programa Emergencial de Manutenção do Emprego e da Renda (BEm), que permitiu acordos para redução proporcional de jornada e salário, ou a suspensão do contrato de trabalho. Quase 10 milhões de trabalhadores foram contemplados pelo programa, que previa o pagamento de uma compensação por parte do governo. Esses trabalhadores receberam estabilidade no emprego por tempo igual ao da duração da redução de salário ou suspensão de contrato; em janeiro, ainda havia 3,5 milhões nesta situação. Se eles já teriam sido demitidos caso não mais tivessem a estabilidade, é uma questão extremamente difícil de responder neste momento.
Em um cenário ideal, quando terminarem as estabilidades de todos os trabalhadores que participaram do BEm, a economia estaria em um ritmo de recuperação tal que oferecesse condições de manter todas essas pessoas em seus postos de trabalho. No entanto, talvez isso não ocorra tão cedo. Novos surtos de Covid-19, com mutações do vírus como a encontrada no Amazonas, estão levando governos estaduais e municipais a retomar as restrições aos negócios, e o governo federal está considerando a possibilidade de prorrogar o BEm. O pedido vem especialmente do setor de bares e restaurantes, atingido de forma mais intensa pelas proibições de funcionamento, mas o Ministério da Economia defende que, havendo a extensão do programa, ele deveria beneficiar todas as atividades. Como o BEm custou muito menos que o auxílio emergencial (R$ 33,5 bilhões contra R$ 293 bilhões), sua continuação é vista pelo governo como muito mais aceitável que novas rodadas do auxílio.
Todas essas providências e números, no entanto, dizem respeito apenas ao mercado de trabalho com carteira assinada. O IBGE, cujas estatísticas fornecem um quadro mais completo ao incluir, também, os brasileiros subempregados e que trabalham na informalidade, trouxe dados ainda muito preocupantes no mesmo dia da divulgação do Caged: o desemprego, apesar da leve queda, continua em níveis alarmantes, fechando em 14,1% o trimestre móvel encerrado em novembro. São cerca de 14 milhões de brasileiros buscando trabalho, sem contar os que nem isso chegaram a fazer, os chamados “desalentados”, que somam 5,7 milhões de pessoas.
É por isso que apenas o BEm não irá bastar, especialmente no caso de a atividade econômica passar por novos solavancos devido ao coronavírus. Ele é importante na manutenção de empregos, mas a geração de vagas exige outras medidas, que já vêm sendo estudadas pelo governo, como o adiamento do pagamento de tributos por parte das empresas e, especialmente, a desoneração da folha. Algumas ações dependem apenas do Poder Executivo, enquanto outras precisam passar pelo Congresso – caso da desoneração, que vem esbarrando na resistência do Legislativo ao imposto sobre transações digitais, meio escolhido por Paulo Guedes para compensar a queda na arrecadação. Quem não tem emprego tem pressa: é preciso encontrar o quanto antes meios inteligentes e eficazes que proporcionem um trabalho digno para todos esses milhões de brasileiros que a pandemia tirou do mercado.
Boicote do agro ameaça abastecimento do Carrefour; bares e restaurantes aderem ao protesto
Cidade dos ricos visitada por Elon Musk no Brasil aposta em locações residenciais
Doações dos EUA para o Fundo Amazônia frustram expectativas e afetam política ambiental de Lula
Painéis solares no telhado: distribuidoras recusam conexão de 25% dos novos sistemas
Deixe sua opinião