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Editorial

Uma inelegibilidade bastante desproporcional

Caiado inelegível
O governador de Goiás, Ronaldo Caiado, foi declarado inelegível pela primeira instância da Justiça Eleitoral de Goiás. (Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil)

“A intervenção da Justiça Eleitoral deve ser mínima”, afirmara, em um longínquo 2022, o ministro Alexandre de Moraes, ao tomar posse na presidência do Tribunal Superior Eleitoral. Uma promessa que àquela época já era vazia, visto que o TSE havia se especializado em interferir no processo eleitoral de maneiras que iam muito além do razoável e do mínimo. Em 2024, sua sucessora, Cármen Lúcia, adaptou o discurso de posse ao estado atual das coisas, trocando a referência a “intervenção mínima” por promessas de ação ampla, geral e irrestrita. E, a julgar pelo que acaba de ocorrer em Goiás, cada vez mais a vontade do eleitor tende a se tornar mero detalhe.

Na semana passada, uma juíza de primeira instância tornou inelegível por oito anos o governador de Goiás, Ronaldo Caiado (União Brasil), e cassou a chapa vencedora da eleição para a prefeitura de Goiânia, formada por Sandro Mabel (União) e Cláudia Lira (Avante). A ação foi movida a pedido da chapa de Fred Rodrigues (PL), derrotada no segundo turno, que usou como pretexto a realização de eventos no Palácio das Esmeraldas, a sede do governo goiano, nos dias que se seguiram ao primeiro turno. A magistrada Maria Umbelina Zorzetti viu ali abuso de poder político e usou o artigo 22 da Lei de Inelegibilidades (Lei Complementar 64/90) para aplicar a pena a Caiado, Mabel e Cláudia. O governador e o prefeito eleito se defenderam alegando que se tratava de jantares em homenagem aos vereadores eleitos na capital goiana, e que os eventos constavam da agenda institucional de Caiado.

Cassações e inelegibilidades como as de Ronaldo Caiado, Fernando Francischini e Jair Bolsonaro são exemplo de uma disposição bastante nociva da Justiça Eleitoral

Ainda que o Palácio das Esmeraldas não seja apenas a sede do governo estadual, mas também a residência do governador, não se pode negar que Caiado, um político com décadas de experiência, cometeu uma enorme imprudência na realização dos jantares. Mas imprudência não é ilícito eleitoral, e a formulação do artigo 22 da LC 64 diz que o “abuso do poder econômico ou do poder de autoridade, ou utilização indevida de veículos ou meios de comunicação social” ocorre “em benefício de candidato ou de partido político”. A severidade da pena de inelegibilidade exige uma interpretação bastante restritiva do que seja este benefício, obrigando o juiz eleitoral a se perguntar: um evento fechado com vereadores eleitos, ainda que incluindo discursos de apoio a Mabel, teve a capacidade de influenciar o voto do eleitor goianiense, trazendo benefício ao candidato?

Se não teve – e este nos parece ser o caso –, tornar Caiado inelegível é medida totalmente desproporcional, como têm sido outras condenações similares, que abriram mão de qualquer análise do eventual benefício eleitoral resultante de determinadas ações. É o caso da cassação, em junho de 2022, do mandato do então deputado estadual Fernando Francischini pela divulgação, em 2018, de vídeos com alegações evidentemente falsas sobre as urnas eletrônicas, mas veiculados a poucos minutos do fechamento das urnas, com benefício mínimo ou nulo para si mesmo ou para Jair Bolsonaro. Um ano depois, o TSE faria o mesmo ao condenar Bolsonaro à inelegibilidade por uma reunião com embaixadores estrangeiros (que não votam no Brasil), feita fora do período eleitoral e cujo conteúdo eram as críticas ao sistema eleitoral brasileiro amplamente conhecidas de qualquer cidadão minimamente informado.

A Justiça Eleitoral existe para garantir que a vontade do eleitorado seja manifestada livremente, sem coação, trapaça ou uso da máquina pública. Abusos podem ocorrer, mas eles precisam ser apurados e coibidos com rigor completo e usando a interpretação mais restritiva possível da lei, para que o respeito ao voto não acabe substituído por algum tipo de paternalismo que desvirtue o exercício do direito do cidadão de escolher seus governantes. Cassações e inelegibilidades como as de Caiado, Francischini e Bolsonaro (para não falar da abjeta cassação de Deltan Dallagnol, em que o TSE misturou exercícios de futurologia com uma interpretação teratológica da Lei da Ficha Limpa) são exemplo de uma disposição bastante nociva da Justiça Eleitoral. O governador goiano, ao menos, ainda tem a chance de recorrer ao TRE goiano e, depois, ao TSE; que ao menos desta vez as instâncias superiores sejam capazes de vencer a tentação de se julgarem os “protetores” de uma multidão de eleitores incapazes.

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