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Alguns dos maiores pensadores e representantes de entidades nacionais e internacionais que estudam a democracia no mundo estiveram em Curitiba na semana passada para discutir o tema, na 1.ª Semana da Democracia. Da universidade norte-americana de Stanford vieram o diretor do Centro de Democracia Deliberativa, James Fishkin, e a pesquisadora sênior do Centro de Filantropia e Sociedade Civil, Lucy Bernholz. Do Albert Einstein Institution, entidade que propaga o trabalho de Gene Sharp sobre métodos de mobilizações não violentas, esteve presente Jamila Raqib, diretora executiva do think tank. O International Idea, sediado na Suécia, se fez representar por Mélida Jiménez, gerente do programa sobre o Estado da Democracia no mundo. Outras entidades de renome internacional, como a Global Initiative for Fiscal Transparency e a The Economist, e de projeção nacional, como a Cidade Democrática, o Meu Rio e Nossas Cidades, participaram de intensas discussões sobre formas de melhorar a qualidade do sistema democrático.

Durante o encontro, promovido pelo Instituto Atuação, James Fishkin proferiu palestra sobre o tema que estuda há duas décadas, a pesquisa deliberativa, um método que consiste na realização de consultas públicas utilizando amostras aleatórias da população e avaliando como mudam as opiniões durante os debates feitos sob mediação de um moderador neutro.

O método, aplicado por Fishkin ao longo de quase duas décadas em 23 países, tem tido, na análise de especialistas, resultados muito promissores: transforma o modo como os cidadãos se posicionam politicamente, desperta o interesse pela vida pública e confere legitimidade e confiança ao regime democrático. Para o pesquisador, seria uma forma cuidadosa de respeitar a vontade do povo, sem manipulações por grupos de pressão, com o objetivo de aprofundar a discussão de políticas públicas.

A diretora executiva do Albert Einstein Intitution, Jamila Raqib, em sua palestra, enfatizou a necessidade de, mesmo nas democracias já consolidadas ou em consolidação, estabelecer estratégias de ação coletiva não violenta. Segundo ela, promover uma educação cívica para que as pessoas aprendam a se mobilizar e defender seus direitos é elemento central para o processo de aprimoramento da democracia.

Tanto a preocupação de Fishkin em qualificar o debate democrático, quanto a reflexão de Jamila Raqib, de buscar meios para que a sociedade se transforme por meios pacíficos, não poderiam ser mais oportunas neste momento por que passa o país. Embora neste exato quadrante da história, a crise institucional que o Brasil vive requeira de imediato uma ação concreta de instituições bem específicas – como, por exemplo, do Supremo Tribunal Federal e do Conselho de Ética da Câmara, especialmente para destravar o impasse institucional criado e alimentado pelo conluio entre o governo federal e o presidente da Câmara dos Deputados, Eduardo Cunha –, no médio e longo prazos não haverá uma transformação sustentável sem uma renovação de nossa cultura democrática.

Ao contrário do que parcelas crescentes de brasileiros pensam, a julgar por pesquisas recentes que detectam uma nostalgia por outros regimes, o modelo institucional brasileiro não é substancialmente falho. Ainda que possam ser melhoradas, aperfeiçoadas, nossas instituições estão dentro de molduras jurídicas avançadas e que, no seu delineamento geral, correspondem às melhores experiências internacionais. O que se precisa é ter presente que, como diz um renomado pensador contemporâneo, Ernst-Wolfgang Böckenförde, “se em uma democracia faltam pessoas ou grupos com o valor suficiente para estar à altura do desafio da ação representativa e das correspondentes consultas ao povo; se não as há no Parlamento, no Governo e nos partidos políticos, então a democracia degenera rapidamente em formas de auto-serviço político, ou – na hipótese de decisões difíceis – entra em uma situação agônica, e não haverá modo de deter ou encaminhar isto institucionalmente”. O envolvimento das pessoas de bem com o debate público e a capacidade de mobilização é algo inerente ao bom funcionamento do sistema democrático. Segundo Böckenförde, a condição de existência da democracia é que haja “amplos cimentos da cultura política”.

A afirmação, teórica, não poderia ser mais precisa – descritiva e profética ao mesmo tempo –, se aplicada ao Brasil.

Por sorte, as instituições permanecem sólidas e podem muito na correção dos rumos do país, mas o déficit crônico de cultura democrática que se encontra em nossa sociedade, agravado por 12 anos de desmandos lulopetistas, pode minar até os últimos resquícios dessa solidez. Por essa razão, olhando com perspectiva o panorama atual, a retomada segura de um caminho mais democrático e funcional, passará, no médio e longo prazo, para além da solução institucional do imbróglio patético da paralisia do Executivo e do Legislativo federais que envergonha a todos os brasileiros, por um esforço concreto, real, abrangente, para fortalecer a cultura democrática. Seja na forma de aprofundamento do debate público pelos cidadãos, seja no fortalecimento da capacidade de mobilização para a defesa de direitos e da própria democracia, seja, ainda, por outros mecanismos que melhorem a qualidade da democracia.

Oxalá as experiências e estudos, nacionais e internacionais, de autores como James Fishkin e Jamila Raqib possam inspirar um número cada vez maior de nossos cidadãos.

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