A falência fiscal do Rio de Janeiro foi além da mera dificuldade em pagar as contas e está colocando em risco sua população. A onda de violência no estado, simbolizada por casos absurdos como o tiro que atingiu um bebê dentro do útero da mãe, está em uma escalada que é reveladora sobre os efeitos colaterais da corrupção e da má gestão pública.
O estado do Rio está quebrado, com um déficit previsto para este ano de R$ 22 bilhões. Durante a crise, atrasou salários, cortou serviços essenciais e teve de negociar um pacote de ajuda com o governo federal. Essa situação é resultado da corrupção, que já levou dois ex-governadores para a cadeia, e uma política fiscal irresponsável. Beneficiado pelos royalties do petróleo, o estado não se preparou para a baixa nos preços da commodity e viu parte da receita secar.
O colapso de serviços públicos atingiu em cheio a segurança e coloca em risco a melhora ocorrida até a realização dos Jogos Olímpicos no ano passado. As Unidades de Polícia Pacificadora (UPPs), antes vistas como um modelo de ocupação de áreas controladas pela criminalidade, estão perdendo seu poder de contenção e algumas delas estão à beira de um colapso. Sua implementação não foi acompanhada de uma reforma nas polícias, nem de outras políticas públicas que tornassem permanente a presença do Estado nessas áreas.
No primeiro trimestre deste ano, o estado registrou 1.867 mortes violentas, contra 1.486 casos no mesmo período do ano passado. A base de comparação é elevada, já que 2016 foi o ano mais violento desde 2010 – a taxa de homicídios no estado no ano passado foi de 37,6 mortes por 100 mil habitantes. Como comparação, a taxa no Paraná foi de 26,3 por 100 mil habitantes em 2015 (último dado disponível). Em São Paulo, onde uma política de segurança eficiente foi implantada no mesmo período, o índice já caiu para 12,2 mortes por 100 mil habitantes.
O aumento da violência pressiona outros serviços públicos, em especial o de saúde, e tem um impacto econômico que passa despercebido para a sociedade. Os hospitais estaduais do Rio atenderam no primeiro semestre deste ano 1,2 mil casos de ferimentos a bala, mais do que o registrado em todo o ano passado. Na maioria dos casos, os mortos e feridos são jovens que teriam uma longa vida produtiva pela frente.
O Rio de Janeiro não está sozinho na falência de seu aparato de segurança pública. Vários estados do Centro-Oeste, Norte e Nordeste, como Sergipe, Pernambuco, Ceará, Pará e Goiás, têm índices altíssimos de homicídios. No total, 18 estados têm taxas de homicídios acima de 30 por 100 mil habitantes. Nenhum tem taxa abaixo de 10. A média global é de 6,2 mortes por 100 mil habitantes, enquanto no Brasil a média foi de 28,9 em 2015, 10% maior do que em 2005, segundo o Atlas da Violência.
A falência dos estados, que não conseguem controlar efetivamente todos os territórios nas cidades, é um dos componentes dessa tragédia. Também conta a lentidão do Judiciário, a corrupção de agentes públicos, a falta de controle dos presídios, as fronteiras abertas à entrada de armas e drogas e uma cultura da violência que prospera no Brasil e tem-se, assim, um ambiente propício à criminalidade sem punição.
O caso do Rio de Janeiro serve de alerta para que o Estado não continue perdendo espaço para o controle exercido pelo crime organizado. Quanto mais demorar a reação ao crescimento da violência, maior será o custo para a sociedade.
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