Já há muito tempo um truque comum dos defensores da legalização do aborto, seja no Brasil, seja em outros países, é simplesmente evitar a palavra, especialmente nas nações onde a população é majoritariamente contrária à prática. Por isso, não é surpresa alguma que uma recém-publicada “Carta Aberta Brasil Mulheres”, cujas signatárias seriam “representativas de vários segmentos e setores da sociedade” – embora todos esses “segmentos e setores” estejam à esquerda e à extrema-esquerda do espectro político –, defenda claramente o direito ao aborto sem usar o termo uma única vez.
A expressão que mascara a defesa do aborto é “direitos sexuais e reprodutivos”, que começou a ser usada no contexto das conferências das Nações Unidas na década de 90 – especialmente a conferência sobre população, em 1994, no Egito; e a conferência sobre a mulher, em 1995, na China. De início, muita gente de boa vontade acabou iludida pelo palavreado, até porque o termo era vendido também como a defesa de direitos reais das mulheres, mas logo a farsa acabou desmascarada graças a defensores da vida atentos, que souberam ler nas entrelinhas e acompanharam os debates internacionais e seus desdobramentos. Hoje, praticamente ninguém familiarizado com a discussão sobre o aborto ignora o real significado do termo “direitos sexuais e reprodutivos”, mas ele continua sendo empregado na falta de disfarce melhor e porque ainda há uma parcela da sociedade que não percebeu o engodo.
No caso do aborto boa parte dos ministros do Supremo deixa de lado qualquer pudor
É no décimo dos 19 itens da carta que se defende a “manutenção e expansão dos direitos sexuais e reprodutivos das mulheres”, pauta colocada ao lado da “promoção da saúde integral da mulher ao longo de todo o ciclo de vida, com especial atenção à mulher idosa” e da “valorização e defesa do SUS”, como se houvesse alguma equiparação moral possível entre a necessária atenção à saúde da mulher e um suposto direito de eliminar um ser humano indefeso e inocente ainda no ventre da mãe. Para que não fique nenhuma dúvida a respeito do que realmente se pretende neste documento, dirigido também aos candidatos nas eleições de outubro, basta perceber a quantidade de signatárias com histórico de defesa do aborto e ler o relato do jornal Folha de S.Paulo, segundo o qual uma das participantes da reunião teria dito que “a gente vive um momento no Brasil em que a gente não pode falar sobre o aborto, e isso é um grande problema. A gente precisa falar sobre os nossos direitos reprodutivos”.
Obviamente, a militante não está dizendo que há alguma censura em curso sobre o tema, mas apenas que deixar claras suas intenções é suicídio político em um país onde a maioria da população defende a vida por nascer, daí a necessidade de camuflar o discurso. Na verdade, podemos e devemos falar sobre o aborto, sobre o que ele realmente é – a eliminação, repetimos, de um ser humano indefeso e inocente –, sobre os riscos envolvidos, sobre as sequelas físicas e psicológicas que deixa. Tudo isso é convenientemente escondido por aqueles que propagam os tais “direitos sexuais e reprodutivos” – aparentemente, um direito que eles pretendem negar às mulheres é o de saber exatamente o que está em jogo quando se trata do aborto.
A carta aberta ainda chama a atenção pelo nome de uma de suas signatárias: a ministra Cármen Lúcia, do Supremo Tribunal Federal. Apesar dos relatos de que ela teria deixado a reunião de elaboração do texto, ocorrida na casa da ex-ministra e ex-senadora Marta Suplicy, por discordâncias justamente sobre o tema do aborto, ela aparentemente não se incomodou com a redação final da carta a ponto de pedir que seu nome não fosse incluído.
Cármen Lúcia defendeu-se das críticas por ter assinado a carta afirmando que “no ofício, juiz não tem amigos, tem obrigações”. Pois uma de suas obrigações está no artigo 36 da Lei Orgânica da Magistratura, pelo qual o juiz não pode “manifestar, por qualquer meio de comunicação, opinião sobre processo pendente de julgamento, seu ou de outrem”. E o Supremo tem pendentes de julgamento várias ações sobre a legalização do aborto, das quais a principal é a ADPF 442. Ao assinar uma carta que pede a “expansão dos direitos sexuais e reprodutivos das mulheres”, e quando se sabe que a expressão nada mais é que uma camuflagem para a defesa do aborto, a ministra estaria deixando clara sua opinião sobre um tema que ela pode vir a julgar se a ADPF for levada a plenário.
Infelizmente, no caso do aborto boa parte dos ministros do Supremo deixa de lado qualquer pudor. Luís Roberto Barroso já “sequestrou” um julgamento sobre um habeas corpus para decidir que a proibição do aborto no primeiro trimestre de gestação seria inconstitucional, no que foi seguido por Edson Fachin e Rosa Weber. Esta última, por sua vez, na relatoria da ADPF 442 promoveu audiências públicas completamente enviesadas, em que o número de palestrantes a favor da legalização era muito maior que o de vozes contrárias; além disso, muitos pró-vida convocados tinham alguma ligação religiosa, em uma tentativa da relatora de transformar o debate em uma controvérsia religiosa, quando o aborto é, fundamentalmente, uma discussão ética e científica. Regras processuais e o dever de imparcialidade, ao que parece, nada valem quando se trata de relativizar o mais importante dos direitos, o direito à vida.
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