Em uma votação simbólica (sem registro de votos) na quarta-feira, dia 24, a Câmara dos Deputados aprovou o Projeto de Lei 2.016/2015, conhecido como Lei Antiterrorismo. O Brasil não tinha legislação que tipificasse o terrorismo, situação que organismos internacionais consideravam preocupante às vésperas da realização dos Jogos Olímpicos no Rio de Janeiro, em agosto. O projeto aprovado, no entanto, contém falhas gravíssimas.
O texto define o terrorismo como a “prática por um ou mais indivíduos dos atos previstos neste artigo, por razões de xenofobia, discriminação ou preconceito de raça, cor, etnia e religião, quando cometidos com a finalidade de provocar terror social ou generalizado, expondo a perigo pessoa, patrimônio, a paz pública ou a incolumidade pública” –se as motivações para o terrorismo parecem um pouco descoladas da realidade, é porque a Câmara retirou da lista a expressão “extremismo político”, que o Senado tinha inserido.
A Lei Antiterrorismo é uma demonstração grotesca de camaradagem ideológica e ignorância histórica
A seguir, o projeto descreve os atos caracterizados como terroristas. Eles incluem, por exemplo, “incendiar, depredar, saquear, destruir ou explodir meios de transporte ou qualquer bem público ou privado”, “atentar contra a vida ou a integridade física de pessoa”, “sabotar o funcionamento ou apoderar-se, com violência (...), do controle total ou parcial (...) de meio de comunicação ou de transporte, de portos, aeroportos, estações ferroviárias ou rodoviárias, hospitais, casas de saúde, escolas, estádios esportivos, instalações públicas ou locais onde funcionem serviços públicos essenciais” e alguns outros tipos de instalações, como as militares, de energia ou bancárias. Essas práticas recebem pena de 12 a 30 anos de prisão.
O problema está na excludente que se segue à descrição dos atos de terror. “O disposto neste artigo não se aplica à conduta individual ou coletiva de pessoas em manifestações políticas, movimentos sociais, sindicais, religiosos, de classe ou de categoria profissional, direcionados por propósitos sociais ou reivindicatórios, visando a contestar, criticar, protestar ou apoiar, com o objetivo de defender direitos, garantias e liberdades constitucionais, sem prejuízo da tipificação penal contida em lei”. Ou seja, um ato que em outras circunstâncias seria considerado terrorista não receberá essa caracterização se for cometido por um movimento social reivindicatório; estará sujeito às penas que o Código Penal prevê normalmente para o respectivo ato.
A tentativa de isentar alguns movimentos da classificação de terrorismo não é nova: estava no anteprojeto de Código Penal elaborado às pressas por juristas convocados pelo então presidente do Senado, José Sarney, mas foi abandonada. Na tramitação da Lei Antiterrorismo, a excludente apareceu no texto inicial, foi removida pelos senadores, mas reintroduzida na votação da quarta-feira. É assim que o texto segue para a sanção da presidente Dilma Rousseff.
Trata-se de uma manobra feita sob medida para acomodar “movimentos sociais” que não raro recorrem a métodos muito semelhantes aos descritos na Lei Antiterrorismo. Sem-terra, black blocs e assemelhados ganham carta branca para invadir, saquear, depredar e incendiar sem que esses atos sejam considerados de terror; seguirão apenas sujeitos às penas que já estavam previstas pelos respectivos crimes.
Deputados de esquerda chegaram a argumentar que a excludente era necessária para preservar o direito à manifestação. Nada mais errôneo, pois o direito à manifestação jamais incluiu um suposto direito à depredação ou à violência. Ele seguiria preservado ainda que o substitutivo do Senado tivesse sido mantido.
A Lei Antiterrorismo é uma demonstração grotesca de camaradagem ideológica e ignorância histórica. Não há como negar que boa parte do terrorismo cometido nos últimos 100 anos foi motivada justamente por extremismo político, muitas vezes com fins reivindicatórios – tudo aquilo que não está caracterizado como terrorismo no texto aprovado pela Câmara. Dilma fará muito bem se ignorar as pressões de movimentos nada comprometidos com a legalidade e sancionar a lei sem a excludente reintroduzida no texto pelos deputados.