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Editorial

O MPF e o Judiciário endossam o telecrime

Quem ainda acreditava que o movimento abortista se preocupava com a integridade física da mulher quando pedia a legalização do aborto, para que a prática deixasse de ser feita de forma caseira e arriscada e pudesse ser realizada de forma “segura” (entre aspas, pois se trata de procedimento que sempre traz riscos para a gestante) em um hospital, teve a chance de perceber, no começo deste ano, que essa suposta preocupação nunca passou de fachada. Uma ONG abortista, o Instituto Anis, e um hospital mineiro se juntaram para publicar uma cartilha ensinando mulheres a abortar em casa, usando o medicamento misoprostol e contando apenas com a orientação de um médico de maneira remota, na chamada “telemedicina”, prática que cresceu devido à pandemia de Covid-19.

Prova de que a cartilha do “teleaborto” só podia ter vindo de mentes nada preocupadas com a saúde da mulher é o fato de a publicação contrariar uma enorme lista de recomendações, orientações e determinações que tratam do risco de se cometer um aborto caseiro. A começar pelo próprio fabricante do misoprostol, segundo o qual o medicamento (que pode causar sangramento e ruptura uterina) só pode ser ministrado em ambiente hospitalar, com manipulação “feita por especialista” – a orientação da bula foi reforçada pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa). Além disso, o Ministério da Saúde deixou claro que o aborto, mesmo nos casos em que a lei não prevê punição, não é contemplado pelas regras que regem a telemedicina, pois trata-se de procedimento que exige necessariamente a avaliação e um acompanhamento presenciais de uma equipe multidisciplinar. A diretriz foi reforçada pelo Conselho Federal de Medicina, que negou a possibilidade do teleaborto.

Prova de que a cartilha do “teleaborto” só podia ter vindo de mentes nada preocupadas com a saúde da mulher é o fato de a publicação contrariar uma enorme lista de recomendações, orientações e determinações sobre o risco de um aborto caseiro

Tudo isso sem levar em conta que a cartilha ainda poderia ser usada para que se cometessem abortos fora das excludentes de punibilidade previstas no artigo 128 do Código Penal, já que os meios de se atestar a violência sexual ou o risco de vida para a mãe (circunstâncias em que o aborto não é punido, além do caso de anencefalia, após decisão de 2012 do STF) estariam prejudicados pela alegada impossibilidade de a gestante ser pessoalmente avaliada por um profissional médico. Estaria aberta a porta para a possibilidade de um crime ser cometido indiscriminadamente e impunemente, em residências de todo o Brasil – e com aval do Ministério Público Federal e do Poder Judiciário.

Em maio, a Procuradoria da República em Minas Gerais e a Defensoria Nacional dos Direitos Humanos começaram a contestar a cartilha – as notas do Ministério da Saúde e da Anvisa foram uma resposta a pedidos de providências. No entanto, dois meses depois, a Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão, comandada pelo subprocurador-geral da República Carlos Alberto Vilhena, emitiu nota técnica em julho endossando a cartilha. Para isso, precisou ignorar completamente as orientações do fabricante do medicamento e as determinações do Ministério da Saúde, da Anvisa e do CFM. Em outra frente, a judicial, os defensores da vida dentro do MPF também saíram derrotados quando uma juíza de Minas Gerais decidiu em favor da cartilha – curiosamente, entre os amici curiae aceitos pela magistrada figuram várias entidades abortistas, repetindo expediente usado pela ministra Rosa Weber, do STF, que em audiências públicas a respeito da ADPF 442 escancarou seu viés ao chamar grupos defensores da legalização do aborto em número muito maior que o de organizações pró-vida.

O aborto, lembremos, é inaceitável porque sempre resulta na eliminação de um ser humano indefeso e inocente. Sempre – seja permitido ou proibido pela lei, seja realizado em um hospital de primeira linha, com acompanhamento médico, ou de forma caseira e solitária. De forma acintosa e irresponsável, membros do MPF e do Poder Judiciário que negam a dignidade do ser humano por nascer colocam as próprias convicções acima da legislação penal sobre o aborto, acima das autoridades médicas e sanitárias e acima das recomendações dos próprios responsáveis por um medicamento abortivo, para promover uma legalização tácita de uma prática que a lei brasileira considera crime.

Se uma mulher tiver complicações decorrentes do uso caseiro do misoprostol e falecer, quem haverá de ser responsabilizado? O Instituto Anis e a Universidade Federal de Uberlândia? O subprocurador Vilhena e a juíza Thatiana Campelo? Ou essa gestante será varrida para baixo do tapete e considerada um “efeito colateral” da garantia de um “direito humano” – no caso, o direito de matar um ser humano indefeso e inocente? O incentivo e o endosso ao aborto caseiro escancaram a hipocrisia do movimento abortista e de todos os que o apoiam nas estruturas institucionais brasileiras.

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