Se o Conselho de Administração da Petrobras realmente confirmar a substituição de Roberto Castello Branco pelo general Joaquim Silva e Luna, o executivo termina seu período de dois anos à frente da maior estatal brasileira com razões para se orgulhar. A empresa fechou o último trimestre de 2020 com lucro de R$ 59,89 bilhões, e terminou o ano da pandemia com lucro líquido de R$ 7,1 bilhões – bem abaixo dos R$ 40 bilhões de 2019, mas mesmo assim um resultado notável diante de todas as circunstâncias deste 2020 atípico. Com isso, Castello Branco encerra sua passagem pela Petrobras com duas marcas importantes: o maior lucro nominal da história da companhia em 2019, e um resultado positivo em um ano de enormes dificuldades econômicas em todo o mundo, o que chamou de “recuperação em J”. Em circunstâncias normais, tal desempenho lhe valeria uma manutenção praticamente automática no posto, mas isso de pouco valeu para Jair Bolsonaro.
A Petrobras saiu destruída da era lulopetista. A Operação Lava Jato mostrou como a estatal havia sido saqueada em nome do projeto de poder petista, em conluio com outros partidos e empreiteiras, mas a corrupção esteve longe de ser o único fator responsável pela situação de calamidade da estatal. Em nome da reeleição, Dilma Rousseff impôs à Petrobras uma política de represamento artificial de preços dos combustíveis, o que levou a enormes prejuízos. Além disso, a direção da empresa tomou uma série de decisões de negócio desastrosas, resultado de negligência na elaboração de contratos, como no caso da refinaria de Pasadena, ou de camaradagem ideológica, como na refinaria Abreu e Lima, em que a Petrobras levou um calote da Venezuela bolivariana. Quando Dilma sofreu o impeachment, a estatal era a empresa petrolífera mais endividada do mundo.
É preciso dar continuidade ao trabalho de Castello Branco, em vez de promover uma repetição de 2014
Castello Branco é o terceiro presidente da era de reconstrução da empresa, iniciada com Pedro Parente, sucedido por Ivan Monteiro. A recuperação não ocorreu sem solavancos: Parente, um dos melhores quadros da equipe econômica de Michel Temer, pediu demissão em 2018, após interferências do Planalto sobre os preços do óleo diesel para apaziguar caminhoneiros em greve, em uma demonstração de que a tentação populista nunca abandona de vez os governos que têm nas mãos uma empresa como a Petrobras. Castello Branco, economista formado pela Universidade de Chicago, defende a privatização da estatal; na impossibilidade de conseguir este objetivo no curto prazo, empenhou-se em um programa de desinvestimento e venda de ativos, para ao menos acabar com o monopólio da empresa em atividades como o refino.
Diante de inúmeros resultados positivos – que incluem também a redução na dívida da empresa –, restou ao presidente da República acusar Castello Branco de ficar “há 11 meses em casa, sem trabalhar”, como se fosse um grande absurdo alguém que está no grupo de risco, devido à idade, se manter em home office durante a pandemia; dizer que “tem muita coisa errada” na estatal, sem explicar a que se referia; e alegar que estatais também precisam ter uma “visão de social”, uma senha para indicar que políticas de mercado não bastam e que uma estatal precisa estar disposta a arriscar sua própria saúde financeira em nome de plataformas políticas.
Resta saber que trajetória Silva e Luna terá à frente da Petrobras, substituindo um gestor que foi extremamente bem-sucedido à frente da estatal. Se realmente assumir disposto a seguir uma política populista, não tardará a ter um choque de realidade quanto aos fatores que influenciam o preço dos combustíveis, e terá de fazer uma escolha: ignorar a matemática, sacrificando a empresa, ou decepcionar caminhoneiros e outros grupos de apoiadores de Bolsonaro e que, nos últimos dias, defenderam o direito de o presidente intervir no que consideram uma política de preços inaceitável. É preciso dar continuidade ao trabalho de Castello Branco, em vez de promover uma repetição de 2014.