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Editorial

É Putin quem não deseja a paz na Ucrânia

cessar-fogo na Ucrânia
Refinaria de petróleo na região ucraniana de Kharkiv, atingida por ataque de drones russos. (Foto: Sergey Kozlov/EFE/EPA)

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Após a discussão entre os presidentes dos Estados Unidos, Donald Trump, e da Ucrânia, Volodymyr Zelensky, na Casa Branca, no fim de fevereiro, o norte-americano conversou com jornalistas e referiu-se ao ucraniano como “um homem que não queria fazer a paz”, enquanto o ditador russo, Vladimir Putin, “vai querer a paz, ele quer a paz, ele quer acabar com isso”. Bastaram apenas duas semanas e meia para que ambos mostrassem a Trump e ao mundo, com suas respostas à proposta norte-americana de um cessar-fogo de 30 dias, que a realidade era o exato oposto.

Após um encontro de delegações dos Estados Unidos e da Ucrânia, na Arábia Saudita, em 11 de março, os ucranianos aceitaram prontamente a ideia de um cessar-fogo total, com duração de um mês, com vistas ao início de negociações para um acordo de paz. O secretário de Estado norte-americano, Marco Rubio, afirmou, então, que “a bola agora está com eles”, em referência à Rússia. E os russos não fizeram nada diferente do que se esperava deles: cera, muita cera. Apenas uma semana depois de muitas negativas e condições, Putin concordou, em conversa telefônica com Trump, em suspender somente os ataques à infraestrutura de energia da Ucrânia – e não mais que isso no momento, além da promessa de “negociações técnicas sobre a implementação de um cessar-fogo marítimo no Mar Negro, cessar-fogo total e paz permanente”, segundo um comunicado da Casa Branca.

Zelensky e os ucranianos são os principais interessados na paz – desde que seja uma paz duradoura. É injusto afirmar que a Ucrânia não tem interesse na paz só porque rejeita soluções de mero apaziguamento

“Se eles [os russos] disserem não, então, infelizmente, saberemos qual é o impedimento para a paz aqui”, também afirmou Rubio após a reunião em que os ucranianos aceitaram a proposta de cessar-fogo completo. Mas praticamente o mundo todo já sabia que o Putin deseja: não a paz, e sim a submissão da Ucrânia. Já Zelensky e os ucranianos, cujo país é vítima de uma agressão injusta, são os principais interessados na paz – desde que seja uma paz duradoura, com garantias reais e necessárias de segurança contra agressões futuras. É tremendamente injusto afirmar que a Ucrânia não tem interesse na paz só porque rejeita soluções de mero apaziguamento. Os ucranianos, melhor que ninguém, sabem o que é necessário para preservar sua soberania; se concordaram com o cessar-fogo parcial, é porque ele representa ao menos algum alívio, e isso é melhor que a continuação dos ataques à infraestrutura de energia.

As diferentes respostas à proposta norte-americana de cessar-fogo na Ucrânia também escancaram a maneira desigual com que Trump se portou diante dos dois beligerantes. Com a Ucrânia, que é a nação agredida, o norte-americano partiu para a ação, cortando a ajuda militar e de inteligência após o bate-boca na Casa Branca, retomando-a só depois que Zelensky concordou com a trégua. Em relação à Rússia, a nação agressora, Trump não passou de palavras e promessas não cumpridas. Prometeu medidas “devastadoras” se Putin não aceitasse o cessar-fogo total; pois o cessar-fogo total não foi aceito, e ainda assim a Casa Branca se deu por satisfeita, a julgar pelos comunicados iniciais.

Não se constrói uma paz duradoura torcendo o braço das vítimas enquanto os agressores são tratados de forma condescendente. Como já lembramos aqui, o bom negociador sempre haverá de ser mais firme com o lado agressor, e que é o mais resistente a uma pausa nas hostilidades. Putin não quer apenas parte do território ucraniano; quer que o país vizinho renuncie a qualquer pretensão de decidir seu próprio rumo, resignando-se a ser um eterno satélite de Moscou – e, caso recuse esse destino, que se defenda sozinho, sem nenhum apoio ocidental. EUA e Rússia devem realizar uma rodada de negociações neste domingo, e Trump tem de deixar claro o quanto antes a Putin que o ditador jamais terá o que deseja, e que precisará fazer muito mais concessões que os ucranianos; se, em vez disso, seguir alimentando as pretensões russas, as perspectivas para o futuro da Europa continuarão sendo as mais sombrias possíveis.

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