Com pompa e circunstância, aval da ONU e apadrinhamento de Cuba e da Santa Sé, a Colômbia e os guerrilheiros das Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (Farc) firmaram, nesta semana, um acordo que pretende encerrar décadas de conflito entre o governo e os narcoterroristas. Assinado pelo presidente colombiano, Juan Manuel Santos, e pelo chefão guerrilheiro, Rodrigo “Timochenko”, o pacto de respeito mútuo precisará ainda ser referendado por plebiscito neste domingo. Se aprovado pelo voto popular, o acordo fará – esta é a promessa – a Colômbia inaugurar um tempo de paz e concórdia que não vivia havia meio século.
Pairam dúvidas, porém, sobre a eficácia das boas intenções. De um lado, está o Estado, guardião e provedor do bem-estar da sociedade. De outro, uma milícia marxista criada para supostamente combater governos que considerava responsáveis por administrações corruptas e desastrosas. Trata-se de um grupo classificado como terrorista por diversos países e organizações internacionais – a União Europeia só retirou as Farc de sua lista após a assinatura do acordo; os Estados Unidos preferem observar a eventual implementação do documento –, que sequestrou, matou e violentou centenas de milhares de colombianos em um conflito que tirou de suas casas cerca de 8 milhões de pessoas.
Os termos do acordo dividem o país e há opiniões abalizadas de ambos os lados
Os termos do acordo dividem o país e há opiniões abalizadas de ambos os lados. Uma das mais famosas vítimas das Farc, a ex-senadora Ingrid Betancourt, sequestrada em 2008 e mantida em cativeiro por seis anos, é a favor da trégua. A Human Rights Watch, respeitadíssima organização internacional de direitos humanos, considera o texto falho por promover a impunidade. Afinal, os militantes das Farc receberão pensão de quase um salário mínimo local pelos próximos 24 meses, à qual se somará um bônus aos que ajudarem na tarefa de desarmar minas e reconstruir estradas, escolas e hospitais. Os acusados por crimes graves, se os confessarem, terão um julgamento cujas penas não incluem a prisão, e sim trabalhos comunitários alternativos.
Os ex-guerrilheiros ganharão também privilégios políticos, como o direito de criar um partido e disputar eleições já com cinco cadeiras na Câmara e do Senado garantidas nos dois próximos pleitos. Diante disso tudo, é perfeitamente compreensível a posição de quem se coloca contra o acordo por achá-lo leniente – e mesmo colombianos favoráveis à trégua se mostraram, segundo pesquisas de opinião, receosos diante de um ou outro ponto específico da paz acertada na segunda-feira.
Mas não raras vezes um país precisa tomar atitudes como essa para seguir adiante. O próprio Brasil é um exemplo: a Lei da Anistia, em 1979, buscou curar uma sociedade machucada pela tortura dos militares e pelo terrorismo da esquerda para que pudesse promover a redemocratização. Na África do Sul, Nelson Mandela, ao chegar ao poder, enfrentou críticas dos próprios companheiros de luta ao criar a Comissão da Verdade e Reconciliação, que anistiou centenas de agentes do regime do apartheid, apesar de ter recusado a maioria das solicitações.
Diz o ditado que “um mau acordo é melhor que uma boa demanda”. Os colombianos estão diante de uma escolha semelhante. E o momento pede uma oportunidade para a paz. Longe dos bastidores das negociações, é difícil saber se os termos acertados foram os melhores possíveis, ou se os narcoterroristas aceitariam a desmobilização caso as concessões fossem menores. Mas trata-se de uma ação pontual com um objetivo específico, o de encerrar uma guerra longa; não é um convite generalizado à impunidade.
Se a paz realmente vier, mesmo com um mau acordo; se de fato a Colômbia deixar de ser um dos maiores fornecedores mundiais de cocaína e seus derivados; se seus vizinhos – o Brasil incluído – se virem menos ameaçados pelo tráfico em suas fronteiras; se cessarem as mortes, sequestros e estupros; e se vastas porções do território colombiano se reintegrarem ao Estado, estaremos diante de um mau acordo com bons frutos para todos.
Só o tempo dirá se a pax colombiana – diferentemente da romana, mantida à força pelos imperadores – foi uma iniciativa sábia.
Hugo Motta troca apoio por poder e cargos na corrida pela presidência da Câmara
Eduardo Bolsonaro diz que Trump fará STF ficar “menos confortável para perseguições”
MST reclama de lentidão de Lula por mais assentamentos. E, veja só, ministro dá razão
Inflação e queda do poder de compra custaram eleição dos democratas e também racham o PT