A maneira como o governo Dilma edita medidas provisórias revela a disposição, digamos autoritária, de se sobrepor ao papel constitucional das casas legislativas de editar normas legais

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A presidente Dilma Rousseff tem sido, comparativamente ao seu antecessor, parcimoniosa na edição de medidas provisórias (MPs). Em seu primeiro ano de gestão baixou 31, enquanto Lula, no mesmo período, editou nada menos de 68. Entretanto, tem abusado de um artifício preocupante – o de "contrabandear" para MPs em trâmite no Congresso dispositivos que nem de longe se aproximam do seu objeto original. E mais: tem editado medidas para alterar dispositivos fundamentais de leis recém-aprovadas pelo Congresso após longo, custoso e democrático debate parlamentar.

Na última quinta-feira, em reportagem especial, levantamos este problema e citamos dois exemplos de como a Presidência vem atuando para driblar o papel legislativo do Congresso. Um deles refere-se ao novo Código Florestal. Ao receber para sanção do texto votado nas duas casas legislativas, Dilma Rousseff não se contentou apenas em vetar algumas de suas disposições – ato legítimo nos regimes presidencialistas –, mas, na prática, substituiu-as e deu-lhes novo sentido por meio de medida provisória.

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Quando os constituintes de 1988 optaram pela criação da medida provisória, tinham em vista conceder ao Poder Executivo um instrumento de natureza legislativa para que pudesse impor rapidez aos seus atos em matérias urgentes e de grande relevância, dispensando-o de submeter ao Congresso anteprojetos de lei de demorada tramitação. Visava, enfim, garantir ao governo um meio legal de enfrentar determinadas situações que estivessem a exigir pronta ação.

Nascida sob o influxo do movimento de redemocratização após duas décadas de regime militar, a nova Constituição, ao instituir a possibilidade de edição de medidas provisórias, não quis criar um arremedo dos decretos-leis de que se valiam os generais-presidentes para impor sua vontade imperial. Tanto que lhes deu um nome autoexplicativo – isto é, as MPs deveriam ter caráter provisório e só teriam efeito perene depois de submetidas e aprovadas pelo Congresso dentro de curto prazo após sua publicação. Se desaprovadas, seus efeitos pretéritos seriam também cancelados.

Entretanto, não é este o espírito que a presidente Dilma Rousseff tem resguardado para exercer a prerrogativa de editar MPs. Ao contrário, revela a disposição, digamos autoritária, de se sobrepor ao papel constitucional das casas legislativas de editar normas legais. Vale-se, para tanto, da maioria leniente e condescendente que mantém no Congresso pela via de acordos fisiológicos com congressistas influentes e seus partidos, quase sempre dispostos à genuflexão diante das vontades emanadas do Palácio do Planalto.

Felizmente, nos últimos dias, acendeu-se no Congresso uma réstia de reação a tal prática quando o presidente da Câmara dos Deputados, Marco Maia, passou a dar nova interpretação ao regime de tramitação das medidas provisórias. Até agora, se não fossem examinadas e votadas em plenário no prazo máximo de 45 dias a partir do momento em que fossem recebidas pelo Congresso, as MPs paralisariam todas as demais votações em curso na Câmara ou no Senado. Pela nova interpretação, as MPs só passarão a trancar a pauta depois de passarem pelas comissões mistas encarregadas de dar-lhes parecer quanto à constitucionalidade e ao mérito – providência que não tem prazo para se iniciar.

Além disso, as próprias comissões serão orientadas a evitar o "contrabando" de dispositivos estranhos ao objeto principal das MPs, quer por iniciativa do Executivo, quer mediante emendas parlamentares.

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Trata-se de um avanço bem-vindo tanto pela limitação que impõe à exagerada edição de MPs, como pelo cerceamento à utilização do sistema de "cavalos de Troia" e, principalmente, como fator de valorização do papel do Legislativo. Mas há uma contrapartida necessária: se fosse mais rápido em seus processos de tramitação, o Congresso daria menos margem ao Executivo de alegar relevância ou urgência para temas, muitas vezes banais, objetos de suas medidas provisórias.