Desde a sua criação, o CNJ vem se afastando das atribuições originais. Um dos marcos iniciais desse desvio aconteceu há exatamente uma década| Foto: : Lucas Castor/Agência CNJ
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Em um de seus recentes episódios de incontinência verbal, o ministro do STF Luís Roberto Barroso afirmou que a suprema corte não fazia ativismo judicial, que isso era invenção de quem se sentia insatisfeito com as decisões dos ministros, e que o ativismo real só ocorria em casos muito raros e específicos. Barroso, no entanto, estava completamente enganado tanto sobre a frequência – muito maior que a alegada – quanto sobre a natureza do ativismo supremo, que age usurpando funções dos outros dois poderes, inclusive contrariando frontalmente a Constituição e as demais leis. E não é apenas o STF que tem colocado a ideologia sobre a lei, extrapolando suas funções; também o Conselho Nacional de Justiça, que é sempre liderado pelo presidente do STF, tem agido desta forma.

O CNJ, criado pela Emenda Constitucional 45/2004, da reforma do Judiciário, tem como função o “controle da atuação administrativa e financeira do Poder Judiciário e do cumprimento dos deveres funcionais dos juízes”, de acordo com o parágrafo 4.º do artigo 103-B da Constituição. Trata-se, portanto, de órgão criado para atuação interna corporis, para questões de cunho administrativo e, ocasionalmente, disciplinar, sem nenhum tipo de interferência sobre outros temas. No entanto, não é isso o que vem acontecendo. Reportagem da Gazeta do Povo mostrou como o CNJ tem servido para fazer avançar a agenda dita “progressista”, impondo mudanças na sociedade sem ter o poder para tal.

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Ninguém será capaz de achar nos artigos 103-B e 130 da Constituição qualquer trecho que atribua ao CNJ ou ao CNMP o poder de impor à sociedade as próprias convicções a respeito de casamento, aborto, racismo ou outros temas

O caso mais emblemático do uso do CNJ como um braço adicional do ativismo judicial, como lembrou a reportagem, completa dez anos em 2023. Em 2011, o STF votou, de forma unânime, para reconhecer as uniões homoafetivas como uniões estáveis – e, ao fazê-lo, também deixou explícito que não havia equiparação dessas uniões ao casamento civil. Isso não foi obstáculo para o CNJ, que dois anos depois, obrigou os cartórios de todo o país a registrarem as uniões homoafetivas como se casamentos fossem. Com uma breve resolução, portanto, o órgão ampliou por conta própria os efeitos de uma decisão judicial, afrontando a decisão do STF – que havia deliberadamente escolhido a união estável, e não o casamento, como instituto para contemplar as uniões homoafetivas – e extrapolando completamente suas atribuições.

Mesmo quando age dentro do seu papel constitucionalmente definido, o de fiscalizar a atuação dos magistrados, a veia ideológica do CNJ se revela. É o caso da juíza catarinense Joana Zimmer, cujo “erro” ou “irregularidade” foi usar a discricionariedade que lhe é dada pela lei e pelos códigos processuais, seguindo as diretrizes das autoridades sanitárias internacionais para buscar a melhor solução possível que preservasse as duas vidas em jogo em um delicadíssimo caso de pré-adolescente que havia engravidado após um estupro. Sem ter feito absolutamente nada de reprovável de acordo com os códigos da magistratura, ela agora tem de responder a um processo administrativo disciplinar por violar outro código, o do “progressismo” abortista.

E não se pode nem mesmo dizer que a ideologia esteja sendo trazida para dentro do CNJ pelos membros “de fora” da magistratura, contra a vontade dos juízes, o que confirmaria temores manifestados quando da criação do órgão a respeito de uma ingerência externa sobre a atividade dos magistrados. A resolução sobre o casamento homoafetivo foi assinada pelo então presidente do CNJ, Joaquim Barbosa, também ministro do Supremo; e decisões como a abertura de PADs são tomadas em votação, sendo que 9 dos 15 membros vêm do Judiciário. Em outras palavras, se o CNJ faz o que faz, é porque também os juízes se veem investidos de permissão para “empurrar a história” (mais uma vez, usando palavras de Barroso); quando não podem fazê-lo nos tribunais em que atuam, têm uma nova chance por meio do conselho que integram.

O Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP), criado na mesma emenda constitucional que instituiu o CNJ e com funções idênticas – “o controle da atuação administrativa e financeira do Ministério Público e do cumprimento dos deveres funcionais de seus membros”, diz o artigo 130 da Constituição –, não fica atrás. Como também mostrou a Gazeta do Povo, em outra reportagem, o órgão adota premissas ideológicas, como a do “racismo estrutural”, que passam a nortear a ação dos promotores quando avaliam a conduta de outros agentes públicos, especialmente policiais. Com isso, surge até a possibilidade de que membros do MP também tenham de responder a processos disciplinares caso não atuem guiados por essas premissas enviesadas.

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Evidentemente, ninguém será capaz de achar nos artigos 103-B e 130 da Constituição qualquer trecho que atribua ao CNJ ou ao CNMP o poder de impor à sociedade as próprias convicções a respeito de casamento, aborto, racismo ou outros temas. Mas, como no Brasil real a resposta à clássica pergunta do poeta romano Juvenal – Quis custodiet ipsos custodes?, ou “quem vigia os vigilantes?” – é “ninguém” (no Brasil teórico, esse papel cabe ao Senado), fica tudo por isso mesmo. Perde a lei, que se torna um mero detalhe a ser afastado quando os conselhos assim o desejarem, e perdem ainda mais os brasileiros, cuja vontade, exercida por meio de seus representantes eleitos, de nada vale diante dos novos déspotas esclarecidos, os reis-filósofos do século 21.

Infográficos Gazeta do Povo[Clique para ampliar]