14 indignados
Penduricalho na remuneração dos juízes tem limite, acaba de definir o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) – no caso, um limite bastante camarada, com um acréscimo de 100% ao teto constitucional atualmente em vigor. Analisando um caso do estado de Sergipe, o conselheiro Mauro Campbell, que exerce o cargo de corregedor nacional de Justiça dentro do CNJ, acabou de liberar, aos juízes do Tribunal de Justiça daquele estado, um pagamento adicional mensal de até R$ 46,3 mil a título de penduricalhos retroativos, como o chamado “quinquênio”. Isso apesar de a Carta Magna afirmar que a remuneração de qualquer servidor público federal não pode ser maior que o salário de um ministro do STF, proibindo também “o acréscimo de qualquer gratificação, adicional, abono, prêmio, verba de representação ou outra espécie remuneratória”.
Aparentemente, Campbell acha que o contribuinte sergipano pode ficar tranquilo, pois, segundo sua decisão, o TJ-SE não poderá pedir dinheiro adicional ao governo do estado para pagar os penduricalhos – como se a questão fosse apenas essa. E o corregedor ainda afirmou que a autorização vale apenas para Sergipe, mas pode “inspirar a adoção de providências idênticas”. Em português mais claro: se algum outro tribunal paga penduricalhos em menor valor, pode elevá-los para R$ 46,3 mil mensais que terá o respaldo do CNJ. E, se quiser pagar mais que isso, não será o CNJ a se opor, já que o parâmetro estabelecido para o TJ-SE não passa de “inspiração”.
Ao ignorarem previsões constitucionais e buscarem todo tipo de brecha para engordar o contracheque, apoderando-se de dinheiro do contribuinte, juízes demonstram total insensibilidade para com o cidadão
Os supersalários do Poder Judiciário – e, graças à célebre isonomia, também de corporações como o Ministério Público – são resultado de uma combinação perversa de cegueira moral e omissão institucional. Que a magistratura precisa ser bem remunerada é algo evidente; mas os vencimentos previstos em lei, mesmo com todos os descontos, já colocam os juízes (mesmo aqueles em começo de carreira) no topo do topo da pirâmide socioeconômica brasileira. Que eles não estejam satisfeitos com isso, desejando sempre mais, a ponto de ignorar previsões constitucionais e buscar todo tipo de brecha para engordar o contracheque, apoderando-se de dinheiro do contribuinte, é demonstração de total insensibilidade para com o cidadão cujas demandas os magistrados são chamados a analisar.
Essa voracidade poderia e deveria ser contida pelo Poder Legislativo, por meio de leis que explicitassem melhor o que já está escrito na Constituição de modo a fechar qualquer brecha para supersalários, penduricalhos e retroativos milionários. O Congresso, no entanto, hesita sob pressão das associações de juízes. Já os ministros do Supremo Tribunal Federal adoram criticar a farra – só nos últimos dias houve manifestações de Gilmar Mendes, Flávio Dino e Cármen Lúcia –, mas nada fazem para contê-la de vez, limitando-se a decisões pontuais em casos específicos, por mais que a inconstitucionalidade dos penduricalhos seja evidente. O presidente do STF, aliás, também é o presidente do CNJ, órgão que existe principalmente para fiscalizar a atuação dos magistrados e punir condutas irregulares (função que vem sendo exercida de maneira um tanto ideológica em alguns casos), mas tem se assemelhado cada vez mais a um grupo meramente corporativista, empenhado em conseguir as maiores vantagens para a categoria.
E Luís Roberto Barroso já afirmou não ver problema no custo do Judiciário brasileiro, um dos mais caros do mundo em termos de porcentagem do PIB. Ironicamente, quase dois meses atrás Barroso afirmou que a Corregedoria Nacional de Justiça, a mesma que acaba de transformar o teto constitucional em duplex, estava “atenta” à questão dos supersalários, e que “nós somos contra todo tipo de abuso”. Com esse tipo de combate ao abuso, a reclamação de Barroso sobre “críticas que muitas vezes são injustas ou frutos da incompreensão do trabalho dos juízes” perde totalmente o sentido, já que o cidadão vê seu dinheiro bancando privilégios imorais e inconstitucionais, em vez de ser todo direcionado à melhoria de uma Justiça muitas vezes lenta e ineficaz.