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editorial

Coibir o clientelismo

Se a formação de partidos tem de ser facilitada, como argumentamos ontem, por outro lado é preciso criar maneiras de dificultar a vida das legendas de aluguel

No editorial de ontem, chamamos a atenção para uma das graves distorções do sistema partidário brasileiro: a extrema dificuldade de se criar um partido político no país, em um flagrante desrespeito à liberdade de associação. Defendemos o abrandamento das exigências para o registro de novas legendas, mas também lembramos que de nada adianta alterar essa situação se um outro problema, igualmente grave, não for corrigido: as benesses concedidas aos partidos existentes.

A proliferação de partidos clientelistas no Brasil ocorre porque ser um cacique partidário é um ótimo negócio: concretiza-se um plano de poder pessoal, e ganha-se acesso aos recursos do Fundo Partidário e ao tempo de propaganda no rádio e na televisão, moeda de troca valiosa na hora de montar coligações. Uma vez superado o calvário do recolhimento de assinaturas, a mera existência do partido já garante o direito a partilhar do farto butim de recursos públicos. É claro que um bom resultado nas urnas permite abocanhar uma fatia maior do Fundo e ter mais visibilidade no horário político, mas mesmo partidos inexpressivos eleitoralmente já têm seu aporte garantido. Isso não faz o menor sentido.

Ontem, dizíamos que registrar um partido não deveria ser mais complicado que constituir uma empresa – mas, assim como a simples existência da empresa não garante os meios financeiros para sua sobrevivência, também os partidos precisam mostrar que representam uma certa parcela do eleitorado antes de pretender recursos públicos para sua manutenção. Por isso, muitos países onde vigoram sistemas eleitorais proporcionais ou distritais mistos adotam cláusulas de barreira, que só permitem a um partido entrar no Parlamento se tiver obtido um porcentual mínimo dos votos daquela eleição – geralmente, entre 3% e 5%. Na Alemanha, por exemplo, uma legenda só elege parlamentares se conseguir pelo menos 5% dos votos, ou se seus candidatos tiverem vencido disputas em pelo menos três distritos. Já recordamos o caso dos Democratas Livres, tradicional partido alemão que, pela primeira vez desde 1949, ficará de fora da Câmara Baixa alemã, o Bundestag: teve 4,8% dos votos, e seus candidatos não venceram nenhum distrito. Se mesmo partidos consolidados sofrem com a cláusula de barreira, é possível concluir que ela seria um bom instrumento para coibir a criação de pequenas legendas de aluguel.

O grupo de trabalho que elabora a PEC da Reforma Política na Câmara resolveu ressuscitar uma versão mitigada da cláusula de barreira, que chegou a fazer parte da Lei dos Partidos Políticos, de 1995, mas foi considerada inconstitucional pelo STF em 2006. A versão brasileira é mais leve: mesmo partidos com menos de 3% do total dos votos manteriam o direito de eleger seus parlamentares; no entanto, precisarão se contentar com "sobras" do Fundo Partidário e do tempo de rádio e televisão, e não terão direito a estrutura de liderança no Congresso. A única diferença entre a versão derrubada no STF e a proposta atual é que o porcentual da barreira foi baixado de 5% para 3%. Soa bem, mas é certo que os partidos nanicos tentarão contestar judicialmente essas mudanças antes que uma PEC desse teor seja aprovada.

Também é significativa a adição de uma cláusula de barreira para candidatos, que precisarão ter votos em quantidade correspondente a pelo menos 10% do coeficiente eleitoral de seu respectivo estado. A regra impede que candidatos com pouquíssimos votos (ou seja, que não representam praticamente ninguém) acabem catapultados ao Congresso ou às Assembleias Legislativas a reboque de grandes puxadores de votos como foram, no passado, Enéas Carneiro, Clodovil e o palhaço Tiririca.

Enquanto os deputados trabalham na PEC, o Senado aprovou, em 8 de outubro, o PLC 14/2013, pelo qual a migração de parlamentares para partidos recentemente criados não corresponderá a aumento na parcela do Fundo Partidário e do tempo de rádio e televisão para essas novas legendas – o ajuste só será feito após as primeiras eleições que os novos partidos disputarem. Essa é uma medida louvável que tinha um grave defeito: foi proposta com a intenção de prejudicar Marina Silva, quando se dava como certa a criação da Rede a tempo de participar da eleição presidencial de 2014. O STF suspendeu a tramitação para evitar o casuísmo. Agora, que a lei não pode mais ter impacto no pleito do ano que vem, sua aprovação é bem-vinda, por também ajudar a colocar um freio na febre clientelista. O problema não é o número de partidos, mas sua qualidade: os partidos que merecem ser fortalecidos são aqueles que se caracterizam por apresentar projetos para o Brasil e que se mostram, pelo voto, representantes de uma parcela significativa da população.

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