Algumas propostas saídas de um grupo que reúne o Ministério da Justiça, secretarias de Segurança, OAB, MP e CNJ são precipitadas e colocam em pé de igualdade black blocs e instituições democráticas
Uma reunião entre o ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo; os secretários de Segurança do Rio, José Mariano Beltrame, e de São Paulo, Fernando Grella Vieira; e representantes da Ordem dos Advogados do Brasil, do Conselho Nacional de Justiça e do Conselho Nacional do Ministério Público, na quinta-feira, analisou algumas propostas para conter as ondas de vandalismo que as metrópoles brasileiras presenciam com certa frequência. Que o poder público esteja finalmente se empenhando para tratar da brutalidade mascarada é louvável. As ideias que vêm surgindo, no entanto, parecem guiadas mais pela precipitação que pela reflexão ponderada a respeito do que é necessário fazer.
Uma das ideias, à primeira vista, parece interessante: a criação de uma espécie de "pronto atendimento" judicial para as manifestações. Um magistrado estaria "de plantão" para julgar rapidamente casos de abusos cometidos tanto pelos vândalos quanto por policiais. A inspiração vem dos tribunais previstos pelo Estatuto do Torcedor e que funcionam durante certos jogos de futebol, com jurisdição para ocorrências verificadas nas imediações do estádio, incluindo brigas entre torcedores e a atuação de cambistas. No caso dos eventos esportivos, além dos juízes, também participam membros da Defensoria Pública e do Ministério Público. A mesma lógica seria aplicada aos crimes cometidos durante manifestações. Até o fim do mês essa proposta deve ser oficializada e encaminhada aos TJs dos dois estados.
Todos sabemos o quanto a violência é alimentada pela impunidade, e por isso a ideia de um "tribunal expresso" tem seu apelo entre os cidadãos cansados de depredações e que reprovam quase que unanimemente os métodos dos black blocs. No entanto, a solução apresentada equivale a admitir a incapacidade das instituições já existentes de lidar com o vandalismo. O problema, nesses casos, não é tanto a demora nos julgamentos. O problema é que as polícias não têm agido com a devida força, limitando-se a impedir maiores danos enquanto deveriam estar prendendo todos os vândalos; e que membros do Judiciário estejam flertando com a tolerância ao vandalismo como meio de expressão política, como demonstramos em editorial no fim de outubro. De nada adianta um tribunal itinerante para julgamentos rápidos se não houver ninguém para ser julgado, ou se o magistrado encarregado acreditar que "nenhuma luta social que não cause qualquer transtorno, alteração da normalidade, não tem força de pressão e, portanto, sequer poderia se caracterizar como tal" (como escreveu o juiz paulista Adriano Laroca, ao negar a reintegração de posse da Reitoria da USP, invadida em 1.º de outubro) ou que "a criminalização dos manifestantes, dos movimentos sociais, é uma expressão da violência ilegítima do Estado, da truculência contra a democracia" (como afirmou em vídeo o juiz João Damasceno, do TJ fluminense).
A segunda ideia, ao contrário da primeira, não parece razoável por nenhum ângulo: o procurador-geral da República, Rodrigo Janot, quer criar um fórum que inclua a sociedade e o poder público para solucionar conflitos entre policiais e manifestantes. É o desenvolvimento da ideia lançada pelo ministro-chefe da Secretaria-Geral da Presidência, Gilberto Carvalho, de buscar interlocutores entre os black blocs. Chamar os vândalos à mesa de negociação sem que eles abram mão de seus métodos equivaleria a considerá-los válidos e a apagar uma diferença básica que existe entre mascarados e a polícia, pois esta representa o Estado, que tem o monopólio legal do uso da força, enquanto aqueles são apenas criminosos.
Temos de elogiar a disposição do governo federal e dos governos estaduais em buscar, juntos, saídas para coibir a violência mascarada. O grupo ainda estuda outras alternativas, como aumentar a pena para o crime de dano e a criar uma agravante jurídica nos casos de agressão a policiais. O que é necessário, ao analisar as soluções propostas, é encontrar meios de fortalecer as instituições já existentes, e não de enfraquecê-las ou colocá-las em pé de igualdade com os vândalos.